Leitora, queria apenas saber quem estava por trás de tantos argumentos. Entretanto, uma vez claro que você não faz parte de minhas convivências, a identidade pouco importa. Vamos, pois, às idéias.
“Concordo que a beleza é sim fundamental, mas em uma escala de importância os investimentos feitos para que essa beleza reluza esta em um patamar acima dela mesma.”.
Acho que não vamos entrar em um acordo sobre a hierarquização de importâncias entre a beleza e a infra-estrutura. Teimoso, ainda fico com o argumento que já expus. Mas vou tentar te convencer por outro lado: a lógica. Ora, a razão de ser dos investimentos são as belezas naturais. Conclui-se, daí, que nada tem sentido sem elas. É claro que os investimentos para ressaltar a natureza são importantíssimos. Nisso estamos em pleno acordo. Assim como você, também acredito que o ecoturismo é uma boa alternativa para levantar um pouco a participação de lugares mais distantes do montante financeiro do turismo. Mesmo que, penso, a participação de tais locais no PIB pouco se alteraria.
“E eu preciso continuar acreditando que a nossa Constituição não é apenas um conjunto de recomendações, mas de normas de caráter imperativo e que devem ser observadas de acordo com o seu tipo.”.
A Constituição teoricamente é o conjunto de normas máximas do país. E, assim, não deveria ser ferida em hipótese alguma. Porém, lamentavelmente, muitas vezes se torna somente um punhado de diretrizes que ficam bem distantes da realidade. Só para citar mais um exemplo, o Art. 54 da Constituição proíbe parlamentares de serem donos ou possuírem vínculos com qualquer tipo de empresa concessionária de serviço público. Nesse caso, mais particularmente concessões de rádio e televisão. Bem, com isso em mente, atentemos para a seguinte reportagem (de 2006) do Estado de São Paulo:
“Nas eleições deste ano, conseguiram se reeleger 31 dos 51 deputados federais investigados sob acusação de serem donos de emissoras de rádio e TV. Onze deles ficaram entre os cinco mais votados em seus Estados. O índice de reeleição entre os proprietários de meios de comunicação eletrônicos, que atingiu 61%, foi muito superior ao geral da Câmara, de 51% - indicação de que ter emissora pode significar vantagem eleitoral.”.
Ou seja, além de comprometerem a democracia, que no Brasil existe em termos, os nossos excelentíssimos parlamentares não respeitam nem a Constituição Federal. Aqueles que elegemos para administrar a coisa pública pecam contra o conjunto máximo de normas. Nesse particular, para piorar as coisas, as concessões são vitalícias. Os excelentíssimos não irão votar contra a manutenção de seus próprios instrumentos de coronelismo eletrônico. Prefiro nem procurar mais discrepâncias entre as normas e o que se observa, pois o material seria tão farto que aqui não caberia.
Uma parte muito interessante: “... fiquei curiosa quanto a sua idéia de transformação política. De que tipo ela seria? Você ainda diz que é necessária uma mudança na mentalidade das pessoas. Concordo com você, mas me encontro sempre em um dilema sem resposta. Seria a consciência social capaz de desenvolver as áreas carentes de nossa sociedade, ou o desenvolvimento das condições materiais da vida social que alteraria o pensamento dos brasileiros, como diria Marx em seu materialismo?”.
Bom, acho que Marx nada pode fazer aqui. Para começar meu raciocínio, penso que grande parte do problema de mentalidade dos Brasileiros é histórico. Nosso atraso mental apenas reflete séculos de equívocos monumentais. De início, fomos colonizados por um país de cultura católica. Como sabemos, catolicismo e desenvolvimento econômico nunca andaram de mãos dadas. Naqueles tempos, era imperativa a posição da Igreja contra a acumulação de capital e outros assuntos mundanos em prol de uma recompensa post mortem. Temos frutos desse começo equivocado: dê uma olhada na América Latina. Ao contrário, a doutrina protestante que vigorou em alguns países europeus (muitos dos mais desenvolvidos, aliás) jamais condenou o acúmulo e gestão de capital. Isso, evidentemente, proporcionou um maior avanço da economia desses países.
Mas falava do Brasil e de mentalidade. Veja que dado curioso: durante algum tempo de família real portuguesa no Brasil, a imprensa e a publicação de livros foram proibidas. Devido a essas proibições, o Correio Braziliense – considerado o primeiro jornal brasileiro – era confeccionado na Inglaterra e mandado clandestinamente para o Brasil. Em outras palavras, o primeiro jornal brasileiro era britânico.
Leitora, é interessante, por exemplo, comparar o Brasil com os Estados Unidos. Os pais fundadores norte-americanos, entre os quais se destaca Thomas Jefferson, desde cedo já idealizaram a nação de acordo com os avançados princípios do iluminismo. No Brasil, isso não fez muito sentido. Outro tema interessante é o ensino. Aqui, a primeira universidade só foi surgir na década de 1920. Em entrevista do Jornal da Unicamp, o professor de filosofia Roberto Romano tem uma interessante opinião sobre o motivo do tardio aparecimento do ensino superior em nossas terras: “Em primeiro lugar, o fato de que a política de Portugal para as colônias foi extremamente restritiva ao desenvolvimento do saber, da técnica e sobretudo da cultura laica. Portugal foi um campeão da contra-reforma, que significou um atraso na Europa inteira...”. Nos Estados Unidos, Harvard foi fundada em 1636.
Receio que esses fatores – e possivelmente outros – contribuíram e muito para o atraso intelectual do brasileiro. Acho muito forçoso pensar que em algum determinado dia iremos acordar com sede de cultura e conhecimento e, por conseguinte, consciência social. Acredito que a única maneira do brasileiro se elevar um pouco mais é um grande investimento em educação básica. Mas isso também incorre em um problema, a dependência de nossa classe política que já demonstrou não ter interesse em um povo mais intelectualizado. Enfim, o povo tem de ser educado de maneira eficiente. É isso que vai gerar a riqueza e a mão de obra qualificada.
Quanto ao Kaká e os auto-intitulados bispos, acho que nos entendemos.