27 de janeiro de 2008

Resposta à Leitora

De uma leitora que se auto-intitulou “a leitora”, recebo um extenso e bem fundamentado comentário no post “Viva o povo brasileiro”. Caríssima, antes de qualquer coisa, confesso que fiquei cheio de curiosidade em saber quem é essa misteriosa leitora desse blog tão pouco visitado. Por agora, porém, vou me concentrar mais em seus argumentos e menos em sua identidade.
“... os que os turistas buscam em nosso país é o Brasil cartão-postal, aquele que se mantém a custa da pobreza de muitos miseráveis no maior estilo "cidade de deus" e da repressão louca da violência que tentam manter nas favelas e nas periferias, quadro pintado no famigerado "tropa de elite"... claro q a violência é apenas contida e espremida nas favelas, afinal um combate inteligente jamais será feito uma vez que o filho do dono d hotel cinco estrelas não pode perder seu fornecimento, isso quando ele próprio não se torna o traficante e assim forma-se um capital d giro pra incrementar um pouco mais o PIB...”.
Jamais foi negado que uma das principais qualidades turísticas do Brasil reside justamente em suas belezas naturais, ao menos foi o que interpretei com a expressão “cartão-postal” dentro de seu texto. Não acredito que o “Brasil cartão-postal” se sustente unicamente na miséria de muitos brasileiros. Ora, a faceta bonita do Brasil se sustenta por seu próprio objeto de exploração: a beleza. Os miseráveis são fruto de descaso estatal, péssima distribuição de renda e pitadas de excesso de emigração de seus lugares de origem. A violência é contida sobretudo nas favelas por estas serem nascedouro de boa parte da bandidagem. Não podemos também negar que uma enorme parcela do contingente de criminosos que cometem delitos nos bairros das metrópoles são oriundos das favelas. Mas, evidentemente, não é honesto fechar os olhos para o outro lado: o sustento dos bandidos do tráfico tem origem nas zonas mais nobres das grandes cidades. O filho do dono do hotel, como você disse, de fato possui grande parcela nesse complexo sistema. Essa questão, inclusive, foi tratada aqui no blog. Sugiro que leia o post “Hypocrisis cannabis”, do dia 28 de setembro de 2007. Quanto ao filme “Tropa de Elite”, nada posso falar. Ainda não assisti.
Chamo atenção também para outra parte de sua argumentação: “... discordo quanto ao exótico que atrai gente pra cá... na minha opinião o exótico em questão é unicamente o dos cenários naturais paradisíacos e da banalização do sexo barato... Porque ninguém, nem turistas, políticos, empresários ou membros da sociedade civil, contempla ou deixa de contemplar a pobreza, a miséria e a guerra... porque simplesmente tudo isso não existe pra gente...”.
Ainda insisto que a pobreza atua sim, em determinado grau, como fator de atração para turistas de países desenvolvidos. Do ponto de vista deles, trata-se de uma experiência quase antropológica, como já afirmei. É como ter contato com um mundo distante e completamente diferente do visto nas capitais do velho continente. Para ilustrar, segue um trecho de reportagem do site HOST, especializado em turismo:
Atraídos por filmes, telenovelas e romances que glamurizam a vida perigosa nas comunidades cariocas, os turistas estrangeiros procuram cada vez mais conhecê-las. São em média anual 40 mil visitantes, que, nos últimos quinze anos, ao chegarem ao Rio, procuram visitar algumas das 52 favelas da zona sul da cidade, onde, do alto, podem assistir ao espetáculo de beleza natural e ainda levar no diário de bordo e na máquina fotográfica histórias diferentes para contar. O mercado conta hoje com, pelo menos, cinco agências especializadas em turismo de favela. Segundo estimativa desses agentes, o número de turistas que opta por esses roteiros cresce anualmente entre 15% e 20%.
Outro ponto interessante por você abordado: “... e é claro, a repressão é sempre mais lucrativa pros políticos e grupos de pressão compostos pro empresários da construção civil e armamentos pra erguemos presídios e "armarmos" nossa polícia...”.
Concordo em parte. Sua frase faz todo sentido e é possível que nela haja muito de verdade. Porém, uma polícia bem armada e uma boa malha penitenciária não são apenas interesses dos personagens que você citou. Chegamos a um estágio tão infeliz que tais empreendimentos se tornaram interesse de todos os cidadãos.
No tocante ao turismo sexual, penso que nós dois estamos de pleno acordo e por isso acho que não tenho mais nenhum ponto a colocar.
Caríssima, sinta-se a vontade para ler, comentar e criticar os artigos aqui postados. E se em algum dia quiser se identificar, tanto melhor, pois dessa forma poderei te chamar por algum nome.
Um grande abraço,
Aluízio Couto

Um comentário:

Anônimo disse...

Que ótimo que finalmente encontrei um espaço para um debate aberto e inteligente! Antes de passar para o próximo texto tenho q esclarecer alguns pontos ainda em relação a essa questão... Discordo quando você diz que a faceta bonita do Brasil se sustenta por sua própria beleza. Porque essa beleza só existe enquanto houver uma infra-estrutura a altura dela. Imagina se a favela descesse dos morros e se instalasse em frente ao calçadão de Copacabana? O nosso turismo ia perder muito com isso! Talvez ficaríamos ainda com os 40 mil visitantes citados por você... O que representa uma parcela não tão significante do total de turistas que vem pra cá tomar aquela água d coco e comer... enfim você entendeu...
O ponto onde quero chegar é o seguinte: se conseguirmos manter nossas belezas naturais como atrativo com coqueiros e hotéis chiques ao seu redor é porque há um investimento nesses pontos turísticos. E se há investimentos em um ponto da cidade e não no outro, a única conclusão que eu posso chegar é que tudo isso se sustenta pela miséria de muitos por aí... Como você mesmo disse, o problema é a distribuição de renda! Em um país onde os 10% mais ricos concentram 47% da riqueza do país e os 10% mais pobres apenas possuem 1% dessa mesma riqueza o luxo de uns se dá pela pobreza de outros.
Mas que fique claro que eu não sou contra os enormes investimentos feitos para que tudo fique lindo e maravilhoso nas zonas mais valorizadas de uma cidade. O que eu acho errado é que o retorno desse investimento que se dá às custas de todos não seja distribuídos para todos!
Eu realmente fiquei espantada com o dado que você trouxe em relação a média anual de turistas que fazem questão de visitar nossas favelas. Eu imaginava que no máximo meia dúzia de sociólogos e cientistas políticos vinham se aventurar dessa forma por aqui. Apesar de eu ainda achar que essa uma porcentagem é inexpressiva pro turismo brasileiro, em termos psicossociais este é um dado importantíssimo. Mostra que simplesmente eles, como muitos outros, não conhecem a realidade... E o próprio artigo entrega essa situação com o verbo "glamourizar"...
A nossa sociedade se encontra na mesma situação, ou aqueles que a conhecem preferem se calar diante dela usando a arma da repressão. É principalmente esse o ponto que quero chamar a atenção quando digo dos interesses por trás dela. Porque é mais fácil pensar na repressão como algo útil e benéfico, mas há algo mais por trás disso. Minha amiga foi em uma palestra, de um professor chamado Bismael, e trouxe para mim um artigo sobre "a cascata do silêncio ou a preferência pela repressão (por interesses)" resumindo o ciclo se dá dessa forma:
"1. negligência com a prevenção criminal, proporcionando: 2. mais crimes e registros estatísticos; 3 mais inquéritos policiais e outras apurações; 4. mais denúncias do MP e mais processos criminais; 5 mais fóruns abarrotados e sentenças judiciais; 6. mais mandados de prisão e cadeias superlotadas; 7. mais estatísticas criminais e notícias alarmantes; 8. mais medo na população e lucros para os espertos; 9. mais concursos para a Polícia e o Judiciário e contratos para construir delegacias, fóruns, presídios, e a compra de veículos, armas, munições, meios de comunicação e materiais e geral; mais gastos para os cofres públicos, sempre insuficientes, pois a miséria, a ignorância, a violência, o crime e o medo andam sempre juntos e não param. Com isso, volta-se ao item 1, perpetuando-se o círculo vicioso numa verdadeira cascata do silêncio ou preferência pela repressão..."
Além de ser muito mais eficaz e cômodo para nós construirmos enclaves fortificados em nossas casas e prédios com circuito interno de tv, segurança particular e portaria 24 horas do que nos engajarmos e investirmos em um projeto sério de transformação social.
Por isso, quando você diz que a repressão é boa para "nós cidadãos", você quer dizer parte deles. Teoricamente cada morador da favela também estaria sob a égide da mesma Constituição Federal, pelos mesmos deveres e principalmente direitos, inclusive os elencados no artigo V, direito à vida, moradia, saúde e segurança. Mas como essas normas citadas são chamadas "programáticas", aquelas que não dão um direito subjetivo para o cidadão pleitear uma casa ou um médico na justiça, deveriam servir como diretrizes de políticas públicas e engajamento social. Pelo visto, isso não ocorre, simplesmente porque não é conveniente para parte dos cidadãos que não se sensibilizam com essa realidade porque não a conhecem ou não querem conhecer...
Aceitando o fato trazido por você, da quantidade de pessoas que se atraiam por nossas mazelas (miséria, pobreza, favelas, turismo sexual...), por tudo escrito acima, só posso concluir que a sociedade não se importa com elas, simplesmente porque não as conhece ou não as quer conhecer e essa é a única justifica que vejo para que exista quem se anseia em ver esse exótico "glamour".
Bom, deixa eu comentar um outro artigo antes que eu me empolgue mais nesse hehe.. E é realmente uma pena que seu blog não seja mais visitado. Seus textos provocantes no mínimo geram uma importante reflexão...