28 de setembro de 2007

hypocrisis cannabis

Em evento realizado ontem pelo jornal O Globo para discutir o filme “Tropa de Elite”, o comandante geral da Polícia Militar Ubiratan Ângelo chamou de “sandice penal” o fato do uso de drogas ser tolerado pela sociedade ao mesmo tempo em que a venda de tóxicos é rechaçada.
O raciocínio do comandante é ridiculamente evidente e só não vê quem não quer. Ora, a grande maioria dos consumidores de drogas as compram de algum serviçal do tráfico, que por sua vez recebe a droga a ser vendida de algum traficante. Até o produto chegar às mãos do consumidor, a engrenagem do sistema de tráfico funcionou outra vez.

Ou seja, coíbe-se a venda e ignora-se quem faz a máquina funcionar. Os usuários não gostam de lembrar da responsabilidade como financiadores do tráfico de drogas. Alimentam um mercado manchado de sangue e muitas vezes, paradoxalmente, mostram indignação perante a violência urbana a qual ajudam fomentar.
Que tal fumar unzinho?

24 de setembro de 2007

Igrejas S/A

Ao se fazer uma consulta no Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo por processos cíveis envolvendo igrejas pentecostais, o prontuário rende. No quesito quantidade, deu a lógica. A Igreja Universal, de Edir Macedo, é de longe a mais processada. Logo em seguida, surge a Renascer em Cristo, do casal Hernandes. A Assembléia de Deus garante uma honrosa medalha de bronze.
  • Igreja Universal do Reino de Deus – 64 processos
  • Igreja Apostólica Renascer em Cristo – 50 processo
  • Igreja Evangélica Assembléia de Deus - 49 processos
  • Igreja do Evangelho Quadrangular – 6 processos
  • Igreja Internacional da Graça de Deus – 3 processos

Obviamente, não dá para tirar uma conclusão definitiva sobre alguma pessoa física ou jurídica apenas com base processual. Mas, no caso dessas igrejas, as árvores denunciam os frutos.

Num evangeliquês legítimo: Misericórdia, hiem?

20 de setembro de 2007

Muito além da mera cara de pau

“Renan diz que o país acredita na sua inocência”, vejo na Folha Online. Segundo a notícia, o presidente – perdoado - do Senado disse: "Como é que se tira um presidente do Senado que é inocente? Essa é a pergunta que hoje o Brasil se faz".

Não, excelentíssimo senador. O Brasil faz outra pergunta. A indagação apropriada é saber como um chefe do legislativo que mal consegue se fazer entender no ato de sua defesa continua desfrutando dos louros do poder.

Aliás, Renan, seria sensato sugerir à Vossa Excelência andar nas ruas para receber o carinho do povo que lhe é tão complacente. O país acredita em sua inocência, resta saber qual país.

17 de setembro de 2007

A riqueza e os cobertores

Disse Montesquieu: "Tem-se, assim, mais vigor nos climas frios (...). Esta força maior deve produzir muitos efeitos. Por exemplo: Mais confiança em si mesmo, isto é, mais coragem, mais conhecimento de sua superioridade, isto é, menos desejo de vingança; mais certeza de sua segurança, isto é, mais franqueza, menos suspeitas, menos política, menos malícia (...). Os povos das regiões quentes são tímidos, como os anciãos; os das regiões frias são corajosos como os jovens. (...) Ter-se-á, nas regiões frias, pouca sensibilidade para os prazeres; ele será maior nas regiões temperadas; nas regiões quentes será exagerada (...)".

A tese do pensador
poderia explicar algumas coincidências climáticas vistas no globo referentes às nações, de um lado, desenvolvidas e subdesenvolvidas, de outro. Seria de pensar: Estados Unidos, Canadá e uma boa porção da Europa possuem climas predominantemente frios e são países prósperos. Nas latitudes mais próximas à Linha do Equador, no entanto, temos a atrasada América Latina e a paupérrima África.

Excesso de determinismo detectado – grita o leitor. De fato, o autor parece desconsiderar que para se analisar um país tendo como foco seu desenvolvimento, é necessário levar em conta vários valores componentes de uma sociedade. Um exemplo é bastante ilustrativo: nações de cultura protestante tenderam, ao passar da história, a adquirir maior prosperidade em relação aos povos católicos. A doutrina protestante jamais condenou a obtenção do lucro e tampouco cobrou de seus seguidores uma vida terrena servil. Muito diferente da noção católica cujo cerne doutrinário pregava uma vida modesta em troca de benefícios no paraíso. Evidente, a modéstia nunca foi verbete integrante do vocabulário dos ocupantes de cargos altos do clero.

A tese acima foi elaborada pelo sociólogo e economista alemão Max Weber e detalhada no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1920. Essa pode ser descrita como uma teoria mais adequada que a de Montesquieu sobre determinantes sociais. Ao contrário da primeira, toma como base uma característica social tangível - a doutrina religiosa de um povo e suas implicações práticas. O outro ponto a favor de Weber é a aparente tentativa de restringir seu comentário apenas ao campo econômico, deixando de lado deliberados achismos.

Se levarmos o comentário de Montesquieu a sério demais, não será possível explicar a Austrália e a Mongólia, por exemplo. Isso sem falar em boa parte do frio e pobre leste europeu. A favor dele, talvez uma sensação comum a muitas pessoas. O excesso de calor pode comprometer a concentração e, por conseguinte, a produção intelectual. Isso, é claro, é bastante baseado em senso comum e varia de pessoa para pessoa.

Montesquieu entendia muito bem de legislativo, executivo e judiciário. Revolucionou a gestão da coisa pública em boa parte dos países ocidentais. Mas, na relação temperatura e desenvolvimento, foi um tanto infeliz. Pessoalmente, ao menos, ele tem certa razão no quesito “sensibilidade aos prazeres”. Não, não sou um hedonista de carterinha. Acontece que, no calor enfrentado neste Distrito Federal, procuro tentar - para usar um termo econômico - maximizar meu bem estar.
Fonte da citação: Ribeiro, Rafael Winter. Seca e Determinismo: A Gênese do Discurso do Semi-árido Brasileiro.

14 de setembro de 2007

Batendo cabeça

Abaixo minha tentativa de conseguir algumas informações de trabalho no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior:

Eu quero falar sobre um assunto. Ligo no ministério, a secretária atende. Eu digo o assunto e ela, que não faz a mínima idéia do que falo, me passa para fulano. fulano, por sua vez, não entende muita coisa sobre o tema e me dá o número de cicrano. Cicrano diz que o assunto não é de sua competência e me joga para beltrano. Eu falo com beltrano. Beltrano me informa que a área correta é a área anterior, a de cicrano, que eu tinha falado anteriormente. Ligo para cicrano novamente, mas ele saiu!
Nada como o serviço público brasileiro.

12 de setembro de 2007

Pizza alagoana

Saiu agora no Correioweb: O presidente do Senado Renan Calheiros (PMDB-AL) foi absolvido por 40 votos contra a cassação, 35 a favor e seis abstenções. A sessão secreta terminou por volta das 17h desta quarta-feira.

Como sempre, tudo acabou com uma suculenta pizza preparada por nosso legislativo. Entretanto, o mais curioso não é a cassação ou absolvição do senador, mas sim a longa discussão em torno do caráter secreto ou aberto da votação.

O que era para ser uma decisão secundária, virou motivo de embate. Mais do que o processo em si, a forma como a votação seria realizada tomou ares de fiel da balança. Ora, teoricamente a opinião dos senadores em uma votação tem de ser baseada nas evidências. Isso independente de ser secreta, aberta ou o diabo.
Alterar um voto motivado pelo regime adotado na sessão pode soar como o bom e velho exercício da camaradagem. No caso de Renan, se a votação fosse aberta, ele poderia ter sido cassado. Afinal, não pega bem aos senadores votarem abertamente a favor de um perfeito canalha. Sob votação secreta e anônima, consegue-se livrar a cara do companheiro. E assim foi.
Renan não foi absolvido por conseguir provar ser de fato inocente, saiu ileso pelo caráter secreto da votação. O modo como o processo foi realizado pesou mais do que o mérito das acusações. Fez-se a justiça, à moda da casa, claro.
E é também à moda da casa que os outros processos contra o presidente do Senado irão rastejar no Conselho de Ética. A primeira batalha já está ganha. Agora, as que virão serão provavelmente mais fáceis ou, quem sabe, cairão no vão do esquecimento. O tempo vai passar e ninguém vai se lembrar até surgir outro escândalo.
Ficamos assim, então. Diz o Senado ao povo: "Nosso presidente tem despesas pessoais pagas por lobista e é, além de outras coisas, acusado de ter usado laranjas para comprar veículos de comunicação. Mesmo assim decidimos perdoar Renan".
Olhemos pelo lado bom. Nossos ilustres representates têm bom coração. Afinal, errar é humano, perdoar é divino.

11 de setembro de 2007

O ex-difunto, o ex-imbecil e o carnê da sacanagem



Sabe-se lá o que é pior, o testemunho de um ex-cadáver ou o gerundismo usado na faixa. O mais deprimente nisso tudo, entretanto, não é o fato do charlatão estar "contando", mas sim de ter gente disposta a acreditar.
Dinheiro devolvido
Falando nisso, a imprensa divulgou esses dias o caso de um homem que ganhou na justiça o direito de ser reembolsado pela Igreja Universal. Ele teria sido convencido por um pastor a vender seu carro e doar o dinheiro à igreja em troca de uma vida terrena repleta de mordomias. Após alguns anos, percebeu o óbvio: entrara em um legítimo conto do vigário. Decidiu, então, processar a instituição de Edir Macedo. Para a Universal, a quantia a ser paga, de pouco mais de 3500 reais, é ínfima. Mas pode abrir um precedente interessante. Se cada lesado pela instituição recuperasse o dinheiro que lhe foi extorquido, a Universal iria a naufrágio. Nem a oração dos 318 conseguiria reerguer a empresa.
Venda de indulgência
Martinho Lutero, neste exato momento, se contorce no túmulo, 500 anos após a publicação de suas 95 teses. O motivo? Edir Macedo acaba de criar um carnê de oração: o fiel paga mensalidade de 20 reais e a Igreja Universal promete orar por ele todos os dias. Isso mesmo, sem pular um dia se quer. Enquanto existir otário, malandro não morre de fome. Não é de se assustar que um ultraje desse quilate ocorra no Brasil. Pouca valorização da educação dá nisso, celeiro para aproveitadores espertinhos.
(Fontes: Estadão e Terra)

4 de setembro de 2007

A ladra insistente e os mercadores da fé

A prisão de Estevam e Sonia Hernandes nos Estados Unidos, líderes da Igreja Renascer, está provocando uma migração de fiéis para igrejas evangélicas menores. Decepcionados com as denúncias de estelionato e lavagem de dinheiro contra os bispos, eles buscam ajuda espiritual em outras casas de oração. O movimento é visível nos templos, já que há cada vez mais bancos vazios durante os cultos. A igreja nega o esvaziamento e diz que mantém 600 templos no Brasil. No passado, entretanto, a igreja chegou a ter cerca de 1.200 no Brasil e no exterior. Mesmo cumprindo prisão domiciliar nos EUA, a bispa Sonia continua pedindo doações nos cultos através de um telão. (O Globo)

A matriarca da quadrilha Renascer, vendo suas franquias perdendo clientela, decidiu, então, praticar estelionato de dentro da prisão. O difícil é constatar que existam pessoas suficientemente convencidas sobre uma perseguição ao casal Hernandes promovida por “forças diabólicas”. A lógica é bastante simples: a Justiça, a Polícia Federal e o Ministério Público são entidades lá de baixo em luta contra o casal portador da revelação divina. Para estes, é mais fácil acreditar num embate jurídico-espiritual entre os reinos de Belzebu e Jeová do que a constatação do caráter duvidoso de seus líderes.

Os Hernandes não são os únicos oportunistas a tirarem proveito da credulidade alheia. Há um grande número de tele-evangelistas que principalmente nas madrugadas se dedicam ao ofício de subtrair. Como bem ilustra em tom irônico o jornalista Janer Cristaldo: "Se Deus o escolheu como patrocinador, você não pode recusar essa graça. O irmão vai passar o boleto bancário. Se você não sabe preencher, o irmão preenche. Se você não tem caneta, o irmão empresta". É possível que a sátira do articulista tenha sido inspirada no pastor Romildo Ribeiro Soares. R. R., como é conhecido, ensina em horário nobre a maneira adequada de preencher o boleto.

3 de setembro de 2007

Dirceu quer controle de imprensa

Leio no Estadão de hoje que José Dirceu, ex-chefe da Casa Civil e acusado de envolvimento no escândalo do mensalão, pediu a regulação da imprensa no país. Estabelecer diretrizes éticas e profissionais – como já faz o código de ética da Fenaj – é legítimo e saudável. No entanto, um controle oficial institucionalizado, como deu a entender o ex-ministro, é absurdo. Seria instrumento de censura nas mãos do PT.
Aqui, o problema não foi o pedido, mas sim quem pediu. Munido de uma lustrosa cara de pau, Dirceu, acusado de corrupção ativa, justificou sua exigência com base no vazamento de pareceres judiciais e também pelas célebres fotos tiradas pelo repórter Roberto Stuckert, do Globo - as imagens capturam conversas por computador entre ministros.

Tentar calar a imprensa é uma boa maneira de fomentar a impunidade. Dirceu acredita que o eco dado pela imprensa ao escândalo, além de influenciar no julgamento, é baseado em uma mentira capciosa de Roberto Jefferson. "A palavra do Roberto Jefferson é zero, não vale nada. Veja a história dele, os antecedentes dele", salientou dirceu.

Tudo bem, Bob Jeff é integrante a laia e nada pode ser baseado somente em seu discurso. Mas será que a palavra do procurador geral da República Antônio Fernando de Souza bem como a decisão do STF de aceitar por unanimidade todas as denúncias contra Dirceu não valem nada? É difícil imaginar que o Supremo iria aceitar por unanimidade denúncias feitas sem nenhum embasamento por um procurador. O judiciário pode ser lento, mas burro certamente não o é.

A imprensa, por sua vez, erra, já errou e vai continuar errando. É claro, não é perfeita e está sujeita a más apurações e até mesmo a equívocos deliberados. Mas tem o dever social de fiscalizar os poderes em todas as instâncias e garantir ao cidadão o direito à informação. Em caso de abuso, existem os crimes de imprensa. Para Dirceu, seria adequado pedir honestidade sobre as intenções daquilo que fala. Pelo visto, pedir honestidade é pedir demais.
A respeito das fotos de Roberto Stuckert, eis o furo clássico. Jornalismo em estado puro.