17 de setembro de 2007

A riqueza e os cobertores

Disse Montesquieu: "Tem-se, assim, mais vigor nos climas frios (...). Esta força maior deve produzir muitos efeitos. Por exemplo: Mais confiança em si mesmo, isto é, mais coragem, mais conhecimento de sua superioridade, isto é, menos desejo de vingança; mais certeza de sua segurança, isto é, mais franqueza, menos suspeitas, menos política, menos malícia (...). Os povos das regiões quentes são tímidos, como os anciãos; os das regiões frias são corajosos como os jovens. (...) Ter-se-á, nas regiões frias, pouca sensibilidade para os prazeres; ele será maior nas regiões temperadas; nas regiões quentes será exagerada (...)".

A tese do pensador
poderia explicar algumas coincidências climáticas vistas no globo referentes às nações, de um lado, desenvolvidas e subdesenvolvidas, de outro. Seria de pensar: Estados Unidos, Canadá e uma boa porção da Europa possuem climas predominantemente frios e são países prósperos. Nas latitudes mais próximas à Linha do Equador, no entanto, temos a atrasada América Latina e a paupérrima África.

Excesso de determinismo detectado – grita o leitor. De fato, o autor parece desconsiderar que para se analisar um país tendo como foco seu desenvolvimento, é necessário levar em conta vários valores componentes de uma sociedade. Um exemplo é bastante ilustrativo: nações de cultura protestante tenderam, ao passar da história, a adquirir maior prosperidade em relação aos povos católicos. A doutrina protestante jamais condenou a obtenção do lucro e tampouco cobrou de seus seguidores uma vida terrena servil. Muito diferente da noção católica cujo cerne doutrinário pregava uma vida modesta em troca de benefícios no paraíso. Evidente, a modéstia nunca foi verbete integrante do vocabulário dos ocupantes de cargos altos do clero.

A tese acima foi elaborada pelo sociólogo e economista alemão Max Weber e detalhada no livro “A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo”, de 1920. Essa pode ser descrita como uma teoria mais adequada que a de Montesquieu sobre determinantes sociais. Ao contrário da primeira, toma como base uma característica social tangível - a doutrina religiosa de um povo e suas implicações práticas. O outro ponto a favor de Weber é a aparente tentativa de restringir seu comentário apenas ao campo econômico, deixando de lado deliberados achismos.

Se levarmos o comentário de Montesquieu a sério demais, não será possível explicar a Austrália e a Mongólia, por exemplo. Isso sem falar em boa parte do frio e pobre leste europeu. A favor dele, talvez uma sensação comum a muitas pessoas. O excesso de calor pode comprometer a concentração e, por conseguinte, a produção intelectual. Isso, é claro, é bastante baseado em senso comum e varia de pessoa para pessoa.

Montesquieu entendia muito bem de legislativo, executivo e judiciário. Revolucionou a gestão da coisa pública em boa parte dos países ocidentais. Mas, na relação temperatura e desenvolvimento, foi um tanto infeliz. Pessoalmente, ao menos, ele tem certa razão no quesito “sensibilidade aos prazeres”. Não, não sou um hedonista de carterinha. Acontece que, no calor enfrentado neste Distrito Federal, procuro tentar - para usar um termo econômico - maximizar meu bem estar.
Fonte da citação: Ribeiro, Rafael Winter. Seca e Determinismo: A Gênese do Discurso do Semi-árido Brasileiro.

Um comentário:

Samuel Barbi disse...

iuHIAuHiauHiuhaIUHA...
Excelentíssimo Araújo,
vejo que seus conhecimentos filosóficos, econômicos e jornalisticos tem crescido vertiginosamente!!!
Estar casado com uma economista tem feito excessivo bem à sua mente... expandido sua cultura e demais coisas que só os economistas são capazes de realizar...
No entanto, sem mais delongas e, também, sem o prosseguimento de uma recente memória infantil que ronda meu ser nesse momento, se você quiser posso te enviar minha monografia... Ela comenta um pouco sobre esse assunto aqui abordado...
Um grande abraço...