14 de fevereiro de 2009

Nossa pequenez, nossa grandeza e uma homenagem para alguém que mais parece um anjo

Se eu te perguntar, anjo, onde você está agora, provavelmente vai responder que está em Brasília. Mais: se eu te perguntar as coordenadas do lugar onde está, isto é, latitude e longitude, algum programa ou aparelho te dará a informação e você, meio a contragosto devido a minha impertinência, vai me passar os dados. Durante esse processo, já parou para se perguntar qual é realmente o seu lugar no espaço? Voltando a fita. Você está em Brasília, por conseqüência no Distrito Federal. Assim, está na região centro-oeste do Brasil, país que se situa na América do Sul, que, por sua vez, faz parte de um hemisfério daquilo que chamamos de Terra (que era para ser chamado de Água; dê uma olhadela num globo terrestre e veja porque). E o raciocínio acaba por aqui. Acaba mesmo? Para começar, vamos falar um pouco sobre vaidade.

Voltemos a fita agora em, digamos, séculos ou milênios. Mesmo nesses tempos, sempre nos achamos uma espécie bastante especial. Somos por natureza seres muito vaidosos, de modo que se você passa 45 minutos na frente do espelho corrigindo algum pequeno detalhe nos cílios, é possível que haja uma explicação evolutiva para isso. Antes de prosseguir com o tema desse texto – que é mais ou menos nosso espaço no espaço – vamos a uma piadinha darwinista. Há milhares de anos, é bem provável que um dos critérios para um macho escolher a fêmea fosse algum diferencial estético que ele julgasse positivo nela. No caso dos homens, esse diferencial seria a possibilidade da manutenção genética. Talvez seja por isso que, a exemplo das moças vaidosas, alguns machos procuram ficar bastante fortes em academias. Algo mudou? Não fugimos muito do que realmente somos. Os machos de academia só se esquecem que atualmente força física não é o único atributo que garante sobrevivência.

Adiante. Nossa vaidade, além de penteados de cabelo e levantamento de peso, produziu algumas peculiaridades bastante engraçadas e algumas vezes perigosas. Costumávamos nos achar o centro de todo o Universo. Aristóteles, por exemplo, acreditava que era o céu que se movia. A Terra ficava parada. Muito cômodo! O cosmo tem todo o trabalho e nós ficamos aqui, parados, só observando. Ptolomeu, mais ou menos no mesmo período, chegou até a elaborar um sistema que dividia o céu em várias esferas que se moviam. No meio dessas esferas ficava a Terra. Com o passar do tempo, o cristianismo adotou essa visão chamada geocêntrica e isso adquiriu contornos teológicos. Bastante simples: é muito conveniente acreditar que somos o centro do Universo e termos, assim, certa proximidade exclusiva com Deus. A Igreja oficializou o geocentrismo e estávamos conversados.

Começa então a demolição das nossas vaidades. Ali pelo século XV, um cientista chamado Nicolau Copérnico sugeriu uma idéia um pouco extravagante. Segundo ele, a terra girava e as estrelas estavam paradas. Ele também chegou a dizer, corretamente, que nosso planeta girava em torno do Sol. Dessa forma, perderíamos toda a exclusividade cósmica. Não passaríamos de um planetinha qualquer em algum lugar da galáxia girando em torno de uma estrela também não muito especial. Um pouco depois, e sigo aqui a ordem temporal sugerida pelo grande Carl Sagan em Variedades da Experiência Científica, apareceu a idéia de que as estrelas eram sóis distantes que tinham também planetinhas girando em torno de si. Pronto! Além de a Terra ter deixado de ser o centro do sistema solar, tinha deixado de ser central também na galáxia, como costumávamos achar. O saudoso escritor britânico Douglas Adams disse com graça que estamos em alguma borda bem brega da galáxia. Anjo, você vai concordar comigo que é um duro golpe na vaidade humana. Como assim? Não estamos no centro de tudo? Não pode ser!

E a pancadaria em cima de nossas vaidades continuou. Como a Terra já não era o centro do Universo, a idéia corrente era que ela, pelo menos, tinha pouco tempo de vida desde sua criação. O motivo dessa teoria também é simples: quando diminuímos o tempo da terra, aumentamos automaticamente nosso grau de importância nela. Um teólogo, em algum ponto da Idade Moderna, chegou a declarar a partir de alguns cálculos baseados em genealogias bíblicas que a Terra havia sido criada 4004 anos antes de Cristo. Ele disse até o dia: um simpático domingo. Provavelmente ensolarado e bom para curtir uma praia. Para a infelicidade geral das nossas vaidades, as evidências sugerem que a Terra possui cerca de 4,5 bilhões de anos. Isso nos torna infinitamente insignificantes em escalas temporais. É como se tivéssemos aparecido no último milésimo de um dia.

Mas nossa vaidade parece ser infinita e não desiste! Já que não éramos o centro do universo e nosso planeta não era tão recente quanto imaginávamos, voltamos os olhos para nós mesmos. Julgávamos ser uma parte especial da criação. Achávamos que éramos bem diferentes dos animais. Porém, para de novo deixar algumas pessoas tristes, apareceu na Inglaterra um barbudo chamado Charles Darwin com uma teoria simples, elegante e devastadora. A idéia pode ser simplificada da seguinte forma: as espécies foram evoluindo ao longo do tempo de acordo com as condições do meio. As que tivessem mutações que facilitassem sua permanência no meio, conseguiriam, dada essa vantagem, propagar seus genes. Outras, com menos sorte, seriam extintas por causa da desvantagem comparativa. Isso recebeu o nome de Seleção Natural. A Teoria da Evolução das Espécies foi publicada em 1859 num período de grande conservadorismo religioso. Recapitulando: achávamos ser o centro do Universo. Não somos. Achávamos moradores de uma terra jovem criada por Deus. Não somos. Achávamos uma espécie absolutamente especial e, infelizmente, também não somos. Em algum lugar na cadeia evolutiva, Aline, meu anjo, você tem algum ancestral em comum com uma barata. Desagradável, não?

Que tal mais alguns golpes na nossa vaidade? Vamos brincar de nos sentir pequenos. Bem pequenos. Ao acabar esse parágrafo, juro, se sentirá uma bactéria. Somente em nossa galáxia, existem 400 bilhões de estrelas. Nosso Sol é apenas uma. A quantidade de galáxias além da nossa é da ordem de trilhões. E em cada um desses trilhões de galáxias, o número de estrelas é similar ao que vemos na nossa. O que significa, usando uma indução, que existem planetas em uma escala exorbitante. Daqui a aproximadamente cinco bilhões de anos, o Sol se expandirá e, por causa da catástrofe gravitacional, irá engolir a Terra. Isso significa que a Terra é mais ou menos uma senhora de meia idade, já que está perto da metade de sua vida útil. A distância do Sol até a Terra é de cerca de 150 milhões de km, a medida foi batizada de Unidade Astronômica (mais um sinal de vaidade?). Segundo estimativas, o Universo tem quase 15 bilhões de anos e continua em franca expansão. Dentro de tantos zeros, o que somos? O que significamos?

Significamos muito. Somos raros e, em certa medida que não leve em consideração delírios teológicos, podemos até ser um pouco vaidosos. A astronomia moderna, apesar de engatinhar, jamais encontrou nenhum sinal de vida inteligente em outro lugar. Nenhuma mísera onda de rádio de origem artificial foi recebida pelos inúmeros radiotelescópios espalhados pelo mundo. Nem se quer um “oi, tudo bem?” nossos possíveis amiguinhos verdes mandaram. O fato de haver tanta dificuldade para encontrar vida – inteligente ou não - fora daqui pode significar, no mínimo, que somos improváveis, que a vida é uma exceção, e não a regra. Que devemos cuidar desse planeta como o que ele realmente é: a nossa casa. Portanto, desde um agrupamento de moléculas em algum lugar de outras eras geológicas até o seu nascimento, sim, o seu, Aline Hanriot, temos uma cadeia maravilhosa de improbabilidades que se tornaram realidade. Conclusão: você, nessa cidadezinha em forma de avião, nesse planetinha minúsculo em meio a um Universo incomensurável, é preciosa, é rara. É uma das maravilhas que o Universo pode produzir! O azul dos seus olhos reflete o azul desse planeta, maravilhoso e raro.

Ainda não terminei. Veja isso, anjo: http://www.youtube.com/watch?v=HurA3M_CBJY