28 de abril de 2009

Luta pela liberdade no paraíso das esquerdas

Às vezes temos gratas surpresas navegando pela internet. Nessas andanças pela rede, encontrei o blog de Yoani Sánchez. Trata-se de uma cubana, residente na própria ilha, que escreve com frequência sobre as dificuldades de viver em um país onde falta tudo - sobretudo a liberdade. Sánchez foi a vencedora do prêmio Ortega y Gasset de jornalismo no ano de 2008 (o governo cubano, porém, não autorizou a viagem da blogueira à Espanha para receber o prêmio). A luta pela liberdade de expressão foi talvez o principal motivo do justíssimo prêmio concedido à jornalista (que é filóloga por formação). Além do prêmio, a blogueira foi eleita pela revista Time, no mesmo ano, a 31ª personalidade mais influente do mundo.
Para quem se interessar, o endereço do blog é http://www.desdecuba.com/generaciony/.
Boa matéria do Estadão sobre Sánchez: 
Em tempo, o blog pode ser lido em 13 línguas.

24 de abril de 2009

Camisinha? Aí não, é demais

O presidente do Paraguai Fernando Lugo foi surpreendido nos últimos dias com a revelação de que é pai. Assumiu a cria. Nem deu tempo de absorver o golpe e mais duas paraguaias já apontaram para a excelência como pai de suas crianças. A esperança de Lugo é que essas duas novas acusações sejam, digamos, paraguaias.
Fernando Lugo, antes de chegar a presidência, foi por muitos anos padre da Igreja Católica. Pelo visto, foi um homem que seguia as recomendações da Santa Madre: sexo, só se for sem camisinha. Como o Vaticano não gosta muito do gorro de látex, o obediente padre disse amém e coabitou de acordo com as preferências da Igreja. Um padre transar, vá lá. Usar camisinha já é demais.

13 de abril de 2009

Anátemas do mundo moderno

"É proibido pensar". O título da boa música do compositor protestante João Alexandre me lembra – mais uma vez! – George Orwell. No influente romance 1984 o autor menciona a Polícia do Pensamento, que, de helicóptero, sobrevoa as casas para bisbilhotar a vida dos cidadãos. É bom lembrar que o romance de Orwell retrata uma sociedade totalitária. Dessa forma, o partido é a razão de viver da população, a prostituição semântica e a falsificação histórica constituem a regra e o culto à personalidade de um ditador é compulsório.

Mas e daí? Não vivemos em um estado totalitário. Não há nenhuma polícia do pensamento. Não há um ditador vitalício com a cara estampada em todas as esquinas. É óbvio que as três proposições anteriores são verdadeiras. Isso, contudo, não é suficiente para eliminar a existência de certo patrulhamento (informal) que se encrava justamente no pensamento. O alarme soa quando se constata que determinados valores são - só por serem, digamos, moderninhos - colocados em um patamar de superioridade intelectual. Adota-se qualquer entulho como vanguardista e a predicação positiva é quase imediata. Desse modo, tudo aquilo que vai em sentido contrário é, por definição, retrógrado ou, para usar o velho clichê, reacionário.

De fato, pensar contra a corrente está ficando cada vez mais arriscado. É só ver a conotação imediata que palavras como “família”, “princípios” e “fidelidade” possuem atualmente. São tidas como antigas e anacrônicas. É uma espécie de ditadura velada de valores (ou da falta deles) que está em voga. Não ser moderno virou anátema. Não ser subjetivista se tornou motivo de repreensão. A palavrinha “moral” virou palavrão. Não ser politicamente correto transformou-se imediatamente em reacionarismo ideológico. Tudo isso em nome de um progressismo idiota que domina a cabeça de boa parte da nossa intelligentsia. Um vírus cultural pretensamente tolerante e inclusivo que na prática é intolerante e exclusivo com o diferente. Algo como um relativismo não relativo em que os que não comungam dos dogmas da tal tolerância e inclusão já estão errados - a priori

O vídeo da música, logo abaixo, é uma crítica aos atuais modismos que vem assolando há tempos a comunidade evangélica. Mas a mensagem pode ser transportada para outras esferas. A dica da música veio de Samuel Barbi, um grande e sensato amigo.


9 de abril de 2009

O Estado é Kim

O ditador da Coréia do Norte, Kim-Jong-il, foi eleito mais uma vez para ocupar o cargo de líder da nação, noticiou ontem a agência EFE. Como é muito carismático e popular, obteve nada menos do que 100% dos votos. O homem é realmente amado. E se ele foi reconduzido ao cargo por meio de uma eleição, isso só prova que a Coréia do Norte é grande exemplo de democracia. Faz eleição até para ditador. O próprio nome do país confirma: República Democrática Popular da Coréia. Não há razões para duvidar.
O carismático mandatário da Coréia do Norte se igualou em porcentagem de votos a outro ícone democrático. Em 2002, Saddam Hussein recebeu 100% dos votos em plebiscito que permitia ao líder mais um mandato. Graças a Alá. 
Ano passado, ao ser eleito para o sexto mandato como presidente do miserável Zimbábue, Robert Mugabe foi um pouco mais escrupuloso. Obteve apenas 85,5% dos votos. O outro concorrente ao cargo na época desistiu do pleito por causa de atentados vindos de partidários de Mugabe. Tudo muito democrático.

6 de abril de 2009

A "newspeak" do caudilho

Eles são todos praticamente iguais. Com algumas diferenças de grau, excentricidade e autoritarismo, os líderes populistas de esquerda parecem seguir uma cartilha bem definida. Se é assim, Hugo Chávez aprendeu bem uma das lições fundamentais: infligir aos pobres venezuelanos horas semanais de discursos. A aporrinhação é feita pela TV. O presidente gosta de falar sobre tudo. Do divino ao humano, do físico ao metafísico. Para qualquer coisa o sábio tem resposta. E para tudo há um culpado: os Estados Unidos, obviamente. O grande dragão imperialista do norte é visto como uma espécie de Emmanuel Goldstein chavista. 
Tudo muito óbvio, até aí. E nossos intelectuais e acadêmicos ficam de bico fechado. O homem está fazendo uma maravilhosa trilha em direção ao velho socialismo autoritário. Ou seja, está andando com vigor em direção a um passado que quase todo mundo quer esquecer. Silêncio dos "isentos" e azar dos venezuelanos. Mas se Chávez diz que se trata apenas do "socialismo do século XXI", a gente acredita. Não é, doutor Emir Sader?
Mais interessante e nada surpreendente é que, nesse tipo de governo, a expressão "newspeak", cunhada por George Orwell - traduzida em português por "novilíngua" - se faz tão atual quanto assustadora. Não há o menor respeito nem pela mentira. Leio no interessante blog de Janaína Figueiredo, do jornal O Globo, que Chávez colocou em prática uma tal Lei de Descentralização. O que faz a tal lei? Centraliza, é claro. A descentralização chavista concentra, por exemplo, nas mãos do governo central, o controle de portos e aeroportos, prejudicando bastante a economia dos estados.
Ainda fazendo aquela das pernas curtas corar de vergonha, Chávez adora dizer que seu país é um exemplo de democracia. Afinal, tudo passa pelo crivo popular. A democracia exemplar pôde ser demonstrada no ano de 2004. O caudilho aumentou de 20 para 32 o número de magistrados no poder judiciário. O aumento teve a clara intenção de criar uma maioria favorável aos ideais bolivarianos do homem. Aparelhar o judiciário é atitude bastante democrática. Recentemente, informa a blogueira de O Globo, o governo central tem investido contra os opositores, eleitos com a mesma democracia que colocou Chávez no poder. Um dos resultados dessa investida é a bizarra idéia de se criar um chefe de governo em Caracas, capital do país, para tirar Antonio Ledezma do poder. Ledezma é da oposição. Democracia?... Então tá.
E assim caminha a Venezuela. Uma descentralização que centraliza e uma democracia cada vez mais autoritária. O clássico 1984 jamais foi tão atual. Basta olhar para os nossos vizinhos vitimados, entre outras coisas, pelo estupro semântico de Chávez. Isso Paulo Henrique Amorim não vê.

5 de abril de 2009

E o papo ainda rende...

Apesar de discordar de várias de suas posições, há uma que me incomoda mais: as religiões. Vamos lá. Antes de qualquer coisa, é absolutamente irrelevante se Maomé pode ou não pode ser chamado de pedófilo devido ao contexto histórico em que ele viveu. Isso não me interessa nem um pouco. O que está em causa é que em minha opinião, errada ou certa, um homem que viola uma criança de menos de 10 anos é um pedófilo e fim de papo. Por acaso esse predicado se aplica ao fundador de uma religião que viveu antes do século X? Sim, paciência. É bem documentado que Maomé “coabitou” com Aisha quando esta era uma criança. Eu penso que boa parte dos países muçulmanos são estados bárbaros? Penso. Novamente, paciência. Acredito piamente que esse papo de encontrar virgens no paraíso é o mais puro e ridículo conto do vigário? Sim! Acho que levantar o traseiro cinco vezes por dia para rezar para uma ficção é idéia de jerico? Certamente sim. Vou deixar de dar minhas opiniões porque os aiatolás ficarão nervosinhos? Nem por um segundo! Estamos dando asas às cobras, vejamos os motivos:

Em 1989, o escritor indo-britânico Salman Rushdie teve sua morte decretada pelo então líder do Irã aiatolá Khomeini porque um romance da autoria de Rushdie teria ofendido o profeta Maomé. É assim: lá do alto do mirante um neandertal decreta a morte de um escritor ocidental e estamos conversados. Qualquer muçulmano que encontrar com Rushdie deverá matá-lo. Aliás, a fatwa é um decreto dado por uma autoridade religiosa e é bem possível que não se possa mais criticar a própria fatwa. Criticar o direito de aiatolás darem sentenças de morte por aí pode ser, quem sabe, violação dos direitos humanos. Mas continuando...

Em 2004, o cineasta holandês Theo Van Gogh foi morto em seu próprio país porque estava na altura produzindo um filme sobre a situação da mulher no islamismo. O cineasta foi assassinado por um muçulmano de origem marroquina que pelo visto não tinha gostado da idéia da película. Aliás, talvez o assassino tivesse razão hoje. Por que não classificar um filme que retrata a situação da mulher no avançadíssimo islã como uma violação aos direitos humanos?

Em 2005, e você já deve ter visto a imagem por aqui, a publicação de charges de Maomé por jornais dinamarqueses provocou a ira dos brutos! Como são bastante sutis, queimaram embaixadas e bandeiras de países ocidentais. Para os muçulmanos, o simples ato de publicar charges sobre Maomé já é denegrir a religião.

Ora, diante disso tudo, o que fazer? Censurar os veículos de comunicação de países ocidentais que ousarem criticar o islamismo? Punir por difamação religiosa quem o fizer? Aliás, o que define o que degrada ou não uma religião? Se for a opinião dos próprios crentes, no caso do islamismo é melhor nem tocarmos no assunto, já que qualquer coisa é ofensa. Ou seja, qualquer coisa irá gerar radicalismos. Isso coloca em dúvida se devemos colocar nas possíveis reações os limites do que podemos falar. Um simples romance já é suficiente para uma fatwa. Então tá. Essa é a cabeça dos aiatolás.

Os católicos, bem ou mal, parecem ter percebido que não é este o caminho. Quando o Monty Phyton lançou em 1979 um filme que colocava o próprio Cristo em situações vexatórias, a reação foi mais, digamos, civilizada. Aliás, devemos proibir a exibição do filme “A Vida de Brian”? O filme certamente denigre “símbolos” e “entidades”, visto que o próprio filho de Deus é tratado como um tonto.

Se alguém fizer uma crítica a uma religião para querer fomentar um debate, tanto melhor. Porém, caso outra pessoa queira simplsmente dizer que o papa é um “um ser humano inútil dirigindo uma instituição de merda”, não há porque proibir. Ah, é claro, os católicos ficarão muito nervosos. Mas dó mesmo eu tenho dos satanistas. Os coitados – já que resolveram adotar o lado negro da força – têm suas entidades sagradas xingadas e açoitadas há tempos. Ninguém fala nada. 

No mais, em nenhum momento eu disse ser favorável a loucuras como entrar numa uma Igreja Universal proferindo impropérios contra o mercenário que está lá na frente. Tampouco fazer isso num centro de umbanda, num centro espírita ou em qualquer mercado da fé que o valha. Seria absolutamente ridículo e, claro, atrapalharia o próprio direito de culto. E pessoalmente estou me lixando para o que as pessoas adoram por aí. Deus, diabo, espíritos, entidades, símbolos, pessoas, antepassados, ETs, ideologias políticas ou qualquer outra coisa. Jamais irei a um culto umbandista dizer que aquilo ali é religião primitiva e tosca. Mas aqui eu digo: aquilo ali é religião primitiva e tosca. O Pai de Santo não gostou? Que toque um atabaque. 

Com isso tudo, para reiterar, é bem difícil conectar o que não deve ser dito com o fator reações. O caso dos muçulmanos deixa isso bem claro. Qualquer coisa deixa os adoradores de Alá ofendidos. Logo, que não se critique mais o islã. Para eles, não existe muito esse papo de contexto. Não dá para atribuir a eles a relativa civilidade que temos aqui desse lado do globo.

Watson e o racismo

Achei sua posição bem razoável, apesar de não poder dizer que tenho essa confiança toda no judiciário. Talvez isso seja mal de mineiro. Desconfia de tudo. Se muitas vezes eu desconfio até dos meus amigos mais diletos, que dirá de instituições? Sei não, sei não. A minha posição é que se o trabalho científico não promover nenhum tipo de segregação, tudo bem. É evidente que algumas pessoas ficarão ofendidas. Assim como algumas mulheres ficam bastante ofendidas quando se diz que em atividades como dirigir, por exemplo, os homens costumam ser mais eficientes. Isso por causa de características naturais de cara gênero. Dizer que uma raça, por exemplo, em média, tem um índice de inteligência superior do que outra não deve, somente por isso, ser tipificada como racismo.

Até hoje, nunca ouvi falar de um caso de um asiático, ou alguém que defenda com tanto fundamentalismo a superioridade asiática no tocante a inteligência, que tenha usado tal tese para ofender as outras “raças” praticando o crime de injúria qualificada, ou induzindo e incitando a discriminação racial de “não asiáticos” recaindo na hipótese do racismo.

Pois é, mas pode acontecer. Assim como nem todas as pessoas que defendem a superioridade européia ou, sei lá, branca, no tocante à inteligência tem como objetico cometer crimes. Vamos com calma! E você sabe que se um incauto qualquer defender essa tese por aí, mesmo que não seja com intuito de promover segregação, será provavelmente achincalhado só pelo teor da idéia. Isso ocorre ainda em casos mais leves. Já vi gente que somente ousou elogiar a cultura e a beleza brancas ser acusado de nazista. Acho que o “subjetivismo” do julgamento pode ser bastante prejudicado por conta desse viés.

Por favor, me aponte o momento no qual falei em censura PRÉVIA as idéias de Watson!!!   

Calma! Não disse que você apóia a censura prévia às idéias de Watson. Se pareceu, desculpe.

Ora, o fato de causar um mal estar no outro indivíduo e até no circulo social onde tal frase é aplicada, ferindo a sua dignidade e à sua honra por causa da cor da sua pele não significa nada para você?

Significa, sim. Tendo até a te acompanhar um pouco no que você disse após colocar essa pergunta. Mas até agora não há um argumento que me demonstre que uma pessoa qualquer não possa dizer que simplesmente não gosta de raças ou tipos X ou Y. Coisa diferente é um dono de restaurante dizer, para impedir a entrada de um negro, que não gosta de negros. Supondo que, sei lá, numa pesquisa de opinião nas ruas, alguém responda a pergunta “você gosta de negros?” com uma negativa, é absurdo demais supor que o entrevistado deva responder por algo. Tem gente que não gosta de negros. Tem gente que não gosta de brancos. Tem gente que não gosta de índios e tem gente que não gosta de asiáticos. Fazer o que? Temos lá nossos preconceitos idiotas. E desde que não promovamos a violência e a segregação, fazer o que? Acho que nada.

Sobre o exemplo do rapaz que foi chamado de corno, que destempero, não? Não sei se concordo com as considerações do juiz. Tendo a achar que não. Posso estar errado, mas imagino que isso poderia relativizar outros crimes por aí. Mas não tenho opinião formada sobre tal. Só quero atentar para uma coisa: a tal subjetividade que você tantas vezes invoca pode não ser tão subjetiva assim. Pode ser bastante enviesada.

O comentário de Steven Pinker só foi para demonstrar que a noção de raça não é exatamente uma falácia. No seu comentário anterior você coloca a questão como se fosse uma bobagem já refutada há séculos, como a idéia de que o Sol gira em torno da Terra. E não é. Você pode até ficar com os cientistas que mais concorda, mas jamais vai poder usar um argumento de autoridade para provar tal tese. Só isso.

Será que todo comportamento é teleológico? Eu não vou ficar pensando em exemplos que desmintam a proposição que você citou. Mas será isso uma verdade? Pensemos no seguinte. Alguns estudiosos da epistemologia sustentam que as crenças não são passíveis de controle consciente. As, digamos, “crenças” que controlamos, podem ser chamadas de adesões. Suponhamos que uma pessoa age sob o efeito daquilo que ela não pode controlar ou aderir, podemos dizer que se trata de um comportamento teleológico, ou seja, que tem uma finalidade? Outra coisa que achei bastante curiosa foi sua compatibilização de ações ao mesmo tempo inconscientes e teleológicas. Não acho que uma ação inconsciente pode visar algo. Resumindo: se tudo fosse uma questão de adesão consciente, eu concordaria com essa tese. Mas há quem defenda que nem tudo é dessa forma, e isso, acho, compromete a visão teleológica que você apresentou. Pode ser verdade? Pode, mas acho que é algo bastante movediço para se fundamentar.

2 de abril de 2009

Orwell sempre atual

Resenha do ensaio publicado em 1946 que recebeu o nome de "A Política e a Língua Inglesa". O texto pode ser encontrado na coletânea "Por que escrevo e outros ensaios", da editora Antígona e tradução de Desidério Murcho.  
George Orwell, ao longo de seus 46 anos de vida, destacou-se como jornalista, romancista e ensaísta. No Brasil ficou conhecido como autor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”, livros em que denuncia de forma caricatural, no caso da primeira obra, e pungente e escatológica, na segunda, os regimes totalitários – com claríssimas referências ao sistema soviético. Orwell foi um dos poucos intelectuais nos turbulentos anos 30 e 40 a denunciar abusos como o stalinismo quando boa parte da intelectualidade européia fechava os olhos aos violentíssimos governos praticados pelos chefes vermelhos do leste. Faz-se necessário, contudo, pontuar que Orwell partilhava de uma visão de mundo socialista. Porém, claro, um socialismo não totalitário. 
Em um de seus vários ensaios, “A Política e a Língua Inglesa”, de 1946, o autor alerta para o mau uso desta língua e o relaciona a um “colapso geral” vivido pela sociedade da época. Orwell vê um assustador contexto em que a língua torna-se feia e imprecisa, porque os [nossos] pensamentos são tolos, mas o desmazelo com a [nossa] língua permite mais facilmente que tenhamos pensamentos tolos. Qualquer semelhança com o Brasil não vai ser nenhuma coincidência, sobretudo no discurso político – como será visto. 
Orwell cita alguns exemplos da empulhação a que foram submetidos os leitores. Segue um caso ilustrativo atribuído ao professor Lancelot Hobgen:
Acima de tudo, não podemos jogar as sete pedrinhas com uma bateria de expressões que prescrevem colocações egrégias de vocábulos como o Básico carregar uma cruz em vez de agüentar ou ficar perdido em vez de confundido.
Para Orwell, a prosa em língua inglesa sofreria de dois principais males: o bafio de imagens e a falta de precisão. O autor ou quer dizer algo e não consegue exprimi-lo, ou diz inadvertidamente outra coisa, ou é quase indiferente à questão de saber se suas palavras querem ou não dizer alguma coisa.
Didático, Orwell enumera outros truques usados pelos autores para evitar a construção de um texto coerente:
Metáforas agonizantes – Se uma metáfora nova ajudar a evocar em imagens aquilo que se quer passar, há aquela classe de metáforas que o autor - mesmo sem ter a mínima noção de seu significado – usa para evitar o trabalho de tentar ser claro e original. “Tocar os sinos da mudança”; “empunhar a clava”, “pescar em águas turvas”, “marchar em uníssono” são alguns exemplos de metáforas desnecessárias usadas pelos autores. Várias dessas metáforas mudam de significado ao longo do tempo. E isso mostra o desinteresse dos autores em pesquisar sobre o que estão querendo dizer. 
Muletas verbais – Em vez de se utilizar verbos e substantivos corriqueiros, opta-se pelo mais difícil: florear, evidentemente, o que poderia ser simples e direto. No lugar de “fundamenta”, “origina”, “vigora” usam-se expressões como “dá fundamentos para”, “dá origem a”, “entra em vigor”. Segundo Orwell, a tônica dominante é a eliminação de verbos simples. Os lugares-comuns como “deixa muito a desejar”, “não se pode esquecer”, “conduzido a uma consideração satisfatória” também são criticados pelo autor de 1984. Quem presta atenção sabe que o discurso corporativo é cheio de lugares-comuns.
Dicção pretensiosa – São palavras usadas para dar a um discurso tendencioso uma impressão de imparcialidade científica. Para tanto, palavras como “elemento”, “indivíduo”, “primário”, “constituir”, “eficaz” podem aparecer para mascarar opinião. Para dignificar o que Orwell chama de processos sórdidos da política internacional, palavras como “épico”, “histórico”, “triunfante” fazem da mais infame das atrocidades um belo exemplo de coragem e vitória. Além de criticar o discurso arcaico que tem por objetivo glorificar uma guerra (estandarte e couraçada, por exemplo, seriam expressões usadas para tal), são citados os desnecessários estrangeirismos anexados à língua inglesa. Para os maus autores, os estrangeirismos, sobretudo os de origem grega ou latina, passariam mais grandiloqüência. Procurar uma palavra comum na língua natal, claro, é sempre um caminho tortuoso. 
Palavras sem significado – O escritor cita que, principalmente nas críticas de arte, é bastante comum encontrarmos longas passagens que não querem dizer absolutamente nada. O que poderia ser objetivo ou inteligível cai em um mar abstrato de masturbação lingüística que só serve para elevar o ego do autor. Se, evidentemente, o autor entender o que ele próprio escreve. Palavras como “morto”, “sentimental”, “vitalidade” são usadas com freqüência sem nenhum sentido. O uso de palavras políticas é igualmente obscuro. Usa-se uma palavra como democrático, por exemplo, para elogiar um país. Porém não há qualquer definição unânime sobre a palavra, o que a torna usada com muita freqüência de modo desonesto.
No campo da política, o discurso e escrita nada mais são do que a pura defesa do indefensável. Já que de modo objetivo e com palavras que invoquem concretamente o horror dos processos políticos quase ninguém aceitaria as barbáries, a saída é apelar para eufemismos. No lugar de roubam-se as quintas a milhões de camponeses, que são obrigados a arrastar-se penosamente pelas estradas apenas com o que conseguem carregar, a isto chama-se transferência da população ou retificação das fronteiras. Eis um bom exemplo de como se maquiar o horror. 
Orwell defende que o caos político está diretamente associado ao declínio da linguagem. A simplificação do inglês (e isso se estende a qualquer língua) é uma maneira segura de escapar das piores tolices. A simplificação deveria, para o escritor, chegar ao ponto em que quando se fizer um comentário estúpido, a estupidez da fala se tornaria manifesta. Evidentemente, conclui, não se pode mudar de uma hora para a outra todos os vícios e bobagens adquiridas durante anos nas mais variadas espécies do discurso, mas começar a mudar os próprios hábitos já seria um excelente começo. 

E o papo segue...

Temos dois pequenos problemas: pelo que estou percebendo, você utiliza seus argumentos baseados em princípios jurídicos e eu tento fugir um pouco disso. Afinal de contas, o direito costuma ser um consenso que pode estar certo ou errado. Acho circular avaliar certas questões do direito usando o mesmo direito que instituiu tais questões. Exatamente por esse motivo tento fugir disso. Este é só o primeiro problema. O segundo é que parece que estamos discordando logo nas premissas que fundamentam nossas posições. Ora, se você rejeita minhas premissas não é obrigada a aceitar minhas conclusões. E a recíproca é verdadeira. Mas vamos lá...

Primeiro pelo caso Watson. Caso se constate efetivamente que há em sua teoria os crimes de injúria qualificada ou racismo, ele será penalizado por isso e eu não tenho muitos problemas com esse fato, embora talvez possamos ter discordâncias sobre o que é o racismo, por exemplo. O problema mesmo é: o fato do cientista querer provar uma hipótese – nomeadamente a de que os negros tendem a ser menos inteligentes – deve ser considerada como racismo? Será que só a idéia contida na tese a faz racista? É um juízo perigoso e que pode fraquejar. Todos os dias ouvimos as pessoas dizerem que os asiáticos tendem a ter uma inteligência mais desenvolvida. Por que toleramos isso? Essa idéia não seria ofensiva a todos os outros? Acredito que toleramos por ser menos chocante e por não suscitar más lembranças históricas. Mas isso está longe de corroborar com censura prévia das idéias de Watson.

Além disso, e ainda sobre o racismo, não vejo porque uma pessoa não poderia dizer “não gosto de negros” ou “não gosto de brancos”. Até agora eu não vi absolutamente nada que me mostre o contrário. Por outro lado, incitação a violência ou a prática discriminatória são coisas completamente diferentes. Ora, existem pessoas que não gostam de homossexuais e que não necessariamente tolhem ou incitam qualquer tipo de comportamento em relação aos gays. Aliás, para fazer um adendo que não tem muito a ver com a discussão, parece que há um racismo de uma via só no país. A afirmação da raça só parece ser válida de em um dos "lados". De qualquer modo, acho esse papo de afirmação uma grande bobagem.

Na questão religiosa a coisa fica bastante pior. Difamação religiosa parece piadinha de mau gosto contada em bar. Significa que eu não posso fazer críticas ou sátiras pesadas a uma religião qualquer pelo simples motivo que os crentes irão ficar ofendidos? Estamos todos, com o perdão da expressão, fodidos. Citando Janer Cristaldo, nós sempre criticamos comportamentos, filosofias e artes com termos pesados. Agora não vamos poder criticar pesadamente religiões? Imagino que os crentes na cientologia devem estar felizes. Afinal, se eu ridicularizar uma religião que faz uma mistura de new age com ufologia vou ser enquadrado. Ora, a sura 2:191 do Alcorão diz claramente que se deve matar os infiéis. Por uma questão de direitos humanos, agora eu devo parar de criticar uma doutrina que explicitamente viola, veja só!, os próprios direitos humanos. Além do mais, é melhor parar de produzir história! Isso pode deixar muita gente magoada. Sobre Maomé, o bruto deflorou uma garota de menos de 10 anos. E eu não posso chamá-lo de pedófilo? Bom, já que é assim, vamos banir Nietzsche das bibliotecas. O filófoso acusa o cristianismo de ser responsável por boa parte da decadência da sociedade. Considera os ascetas moralistas como degenerados. É ofensivo! E agora? Opa, opa, opa! Isso tudo cheira ao medievo.

Aliás, essa medida pretensamente politicamente correta que os puros de coração tanto adoraram foi endossada pelos avançadíssimos países islâmicos. Ficamos assim, então. Os brutos fazem atentados e matam. Nós ficamos caladinhos, afinal, a sura 2:191 não deve ser difamada.

Mudando um pouco de assunto, você deve ter notado que eu usei a palavra “raça”. Você diz categoricamente que essa noção é uma falácia “cientificamente comprovada”. É um argumento de autoridade. E um mau argumento de autoridade. Tem gente boa que vai discordar frontalmente de você. Uma dessas pessoas é o cientista cognitivo de Harvard Steven Pinker, que diz o seguinte em “Tabula Rasa”: 

...embora as diferenças genéticas entre raças e grupos étnicos sejam muito menores que as encontradas entre indivíduos, elas não são inexistentes (como vemos em sua capacidade de originar diferenças físicas e diferentes suscetibilidades a doenças genéticas, como a doença de Tay-Sachs e a anemia falciforme). Hoje virou moda dizer que as raças não existem, que são puramente construções sociais. Embora isso certamente seja verdade com respeito aos escaninhos burocráticos como ‘de cor’, ‘hispânico’, ‘asiático/habitante de ilha do pacífico’ e à regra generalizante para ‘negro’, é um exagero quando falamos das diferenças humanas em geral. O antropólogo e biólogo Vincent Sarich observa que uma raça é apenas uma família imensa e parcialmente endógama. Algumas distinções raciais, portanto, podem ter um grau de realidade biológica, embora não sejam fronteiras exatas entre categorias fixas. Os humanos, tendo evoluído recentemente de uma única população fundadora, são todos aparentados, mas os europeus, como se reproduziram principalmente entre si durante milênios, são em média parentes mais próximos de outros europeus do que de africanos ou asiáticos, e vice-versa. Como os oceanos, desertos e cordilheiras impediram as pessoas de escolher seus parceiros aleatoriamente no passado, as grandes famílias endógamas que denominamos raças ainda são discerníveis, e cada qual tem uma distribuição de freqüência de genes um tanto diferente das demais.

Portanto, dizer categoricamente que não existem raças e que isso é uma falácia comprovada é uma afirmação bastante perigosa. Você tentou dizer que sua tese era um truísmo, e vemos que há controvérsias.

Sobre o texto que te indiquei, eu sinceramente não consigo ver que ele defende que as pessoas “poderiam utilizar de seus próprios meios para discordar”. Não dá para tirar do texto, por exemplo, a noção de que é legítimo o uso da violência física para com um discordante de uma tese X. Calma lá, a coisa não abre espaço para essa interpretação. Não é essa anarquia toda. Sobre a frase de Orwell, ela significa simplesmente que a liberdade significa dizer aquilo que as pessoas não querem ouvir. Sua interpretação é bastante bonita, mas eu acho que Orwell defenderia meu direito de chamar Maomé de pedófilo. Ainda mais admitindo que ele trate os burocratas soviéticos como porcos. Sobre a frase do magistrado, bastante erudita até, só faltou ele demonstrar que realmente todo o comportamento social é necessariamente teleológico. Será mesmo que é? Será que não há ninguém que discorde dele? Cuidado para não pecar novamente com argumentos de autoridade. Aliás, basta que se encontre um só comportamento social não teleológico para ruir com a tese do excelentíssimo magistrado. Afinal, a negação de um quantificador universal é um existencial com o predicado negado. Mas essa questão da teleologia do comportamento social é menor nessa discussão. Falei muito e isso me deu fome. Fico por aqui. 

1 de abril de 2009

Mais uma vez o papo

Eu não vou poder te apontar algum estado democrático de direito que há a absoluta liberdade de expressão porque eu acho que não existe este estado. Se existir, eu desconheço. No mais, parece que há certo mal entendido aqui. Quando digo sobre liberdade irrestrita de opinião, é sobre a liberdade irrestrita de idéias em um sentido amplo - talvez eu poderia de fato ter sido mais claro antes. Tudo o que eu disse converge com essa noção, e não com uma anarquia total. Defendo veementemente que cientistas como Watson possam dizer que não temos nenhuma razão para acreditar que negros são igualmente inteligentes em relação aos brancos. Posso achar a idéia profundamente absurda, mas não vejo porque ele não possa dizer isso. Note que é bem diferente de impedir a entrada de um negro em algum estabelecimento comercial, por exemplo. De uma forma um pouco diferente, dizer que Maomé era um pedófilo é bem diferente de atrapalhar uma celebração islâmica. Será mesmo que a execração pública sofrida por Watson é razoável?...

E você me diz que a “finalidade pedagógica e preventiva da lei é legitimada pelos valores sociais vigentes”. Bom, isso parece bastante intuitivo quando falamos de restrições intuitivas a atos não tão intuitivos assim, como o protagonizado por Watson. Mas será que podemos universalizar a legitimação de algo pelos “valores sociais vigentes”? Mesmo com sua argumentação no sentido de que tal legitimidade se dá por aprendizados históricos, isso não é suficiente para concluir uma infalibilidade dos aprendizados históricos. Muito menos é suficiente para dizer que determinadas idéias não podem simplesmente circular. Exemplificando, sei que jamais um estado democrático deva ser minado em prol de um totalitarismo. Simplesmente não se deve permitir isso. Aprendemos que democracia é melhor do que autoritarismo. Mas não acho razoável, por exemplo, punir um indivíduo só por que ele manifesta apoio a, digamos, uma ditadura fascista no país.

Opa, espere aí. A citação de Hobbes é mais uma vez a clássica falácia do penhasco. Em nenhum momento eu neguei a necessidade da existência de leis e normas de conduta, de modo que eu jamais defendi qualquer coisa parecida com um estado de natureza. Vamos com calma. Eu estou falando sobre livre circulação de idéias sem que algo a priori me diga quais idéias eu não posso defender. E disso jamais se segue logicamente um estado de natureza. Espero que já tenha entendido em que sentido estou falando de liberdade de expressão. E o exemplo de Watson é paradigmático daquilo que defendo. Ah, claro, o exemplo das charges sobre Maomé também se ajusta.

Sobre a questão do bom e velho politicamente correto, vou vinculá-lo ao que disse no texto sobre a difamação religiosa, pois é com o que me comprometi. Neste e em outros casos, parece que a liberdade de expressão deve ser restrita em função do sentimento de ofensa por parte dos crentes. Nisso estou com George Orwell: “Se a liberdade significa realmente alguma coisa, significa o direito de dizer às pessoas o que elas não querem ouvir”. Desse ponto de vista, jamais vou me autocensurar para dizer minha real opinião sobre Maomé ou sobre qualquer outra possível ficção sagrada só porque os aiatolás de turbante ficarão realmente chateados. Reiterando, há uma grande diferença disso para o tolhimento do direito de culto dos islâmicos. Assim como há uma diferença bem grande do que Watson fez para o crime de, digamos, injúria contra um negro.

Em suma, trata-se do direito de qualquer pessoa ser machista, racista, sexista ou qualquer coisa que o valha e de dizer isso. Trata-se, também, claro, de fazer exatamente o que Watson fez: poder ter idéias que são completamente não intuitivas e dizer isso. Muito diferente disso é explorar ou discriminar pessoas por determinada condição. Posso até ser racista, e dizer que o sou, mas isso não me dá subsídios para explorar ou discriminar negros, por exemplo. Querer proibir o primeiro caso é simplesmente patrulhamento.

Para terminar, você parece ter citado Carl Sagan indevidamente. Eu concordo com você que somos passageiros e pequenos demais para ficar por aí dizendo besteiras. Mas isso não significa que não se possa dizer besteiras. Nossa pequenez perante, sei lá, o universo não é de modo algum suficiente para que alguém não possa lá dizer suas besteiras. É bastante bonito citar Carl Sagan aqui, mas é improcedente.

Se quiser ler um texto melhor e mais rico do que o meu sobre essa linha de opinião, http://criticanarede.com/html/ed110.html.