31 de agosto de 2009

Sobre a incompatibilidade entre o socialismo e papel higiênico*

Há vários anos venho escrevendo sobre a incompatibilidade entre socialismo e papel higiênico. Nas rápidas incursões que fiz a países soviéticos, era o primeiro problema a resolver no hotel. Jamais havia papel no banheiro, era preciso reivindicá-lo na portaria. O funcionário perguntava então quantos dias você ficaria no hotel, avaliava no olhômetro a metragem que você necessitaria e a destacava de um rolo. Mais papel, só pedindo de novo.

Vários leitores, lembrados de meus artigos, estão me enviando notícias de Cuba, onde teria chegado esta crise peculiar. Segundo The Miami Herald, la escasez de papel higiénico en Cuba ha llevado a sus residentes a recurrir a la creatividad. Actualmente, los cubanos han optado por emplear los ejemplares del diario

Normal. Mas não acredito que a falta de papel higiênico tenha se manifestado apenas agora. Num país onde as pessoas vivem em nível de fome, desde há muito os cubanos devem estar conferindo ao Granma a única utilidade que o jornal tem. Não gosto de trocadilhos, mas vamos lá. Seu endereço eletrônico é granma.cu. Para o leitor lusófono, pelo menos, desde há muito estava predestinado a tão nobre função.

Segundo as autoridades cubanas, la escasez es resultado de la crisis financiera global y los tres ciclones devastadores del verano pasado, que obligaron a reducir las importaciones. La producción nacional de varios productos ha caído debido a las restricciones en la generación de electricidad y la importación de materias primas.

Crise e ciclones um cazzo. A escassez de papel higiênico no mundo comunista já está implícita nas primeiras páginas de O Capital, ainda que Marx não aborde o delicado tema. Esta carência eu a conheci, em meus dias de guri. Não tínhamos tais luxos lá no Ponche Verde. Usava-se guanxuma, alho-bravo e mesmo sabugos. Com a chegada de alguns jornais àqueles pagos, houve um salto qualitativo na higiene anal. Não sei se alguém lembra de uma revista de extrema direita dos anos 60, editada pelo IBAD, chamada Ação Democrática. Sei lá como, ela chegava lá no campo. Era publicada em papel couché, tudo muito chique mas pouco adequado às escatológicas necessidades humanas. Mas muito melhor que guanxuma.

Em Cuba, gerou-se um curioso fenômeno a ser estudado pelos economistas. O Granma é vendido a 20 centavos de peso, seja o jornal do dia, seja um jornal antigo. Porque a utilidade é uma só. E é comprado aos montes. Os cubanos fazem fila nos pontos de distribuição para comprar dez ou quinze exemplares do jornal do dia – ou de dias anteriores – para usá-los na higiene pessoal, enrolar lixo ou outros usos domésticos. É a glória do jornalismo: os jornais vendem mesmo sem serem lidos. Mais ainda: auxiliam na renda doméstica. Os aposentados pagam 20 centavos de peso por exemplar – equivalente a 0,007 centavos de dólar – e os revendem por 20 pesos, o que equivale a 71 centavos de dólar. Imprensa é um bom investimento na Cuba dos Castro.

Busco na rede informações sobre o uso do papel higiênico e encontro que já era usado na China medieval, no século VI. Em 589, o acadêmico Yan Zhitui escrevia: "Papéis nos quais existem citações ou comentários dos Cinco Clássicos, ou que contenham nomes de sábios, não ouso utilizar no vaso sanitário". Em 851, um viajante árabe muçulmano escreveu: “Os chineses são cuidadosos com a limpeza, e não se lavam com água quando fazem suas necessidades; mas apenas se limpam com papel”.

Durante a dinastia Yuan, no início do século XVI, eram manufaturados anualmente dez milhões de pacotes com cerca de 1.000 a 10.000 folhas de papel higiênico cada um. Em 1393, durante a dinastia Ming, 720.000 folhas de papel higiênico foram produzidas para o uso geral da corte imperial na capital, Nanquim. Sabe-se também que naquele mesmo ano foram feitas 15.000 folhas de um papel especial, feito com tecido mais suave, no qual cada folha foi individualmente perfumada. Ou seja, as sofisticações que hoje os supermercados nos oferecem, os chineses, ou pelo menos a corte imperial, as conhecia há mais de seis séculos. São luxos que suponho devem ter desaparecido nos dias de Mao, quando até canibalismo foi praticado por quem não queria morrer de fome.

Em pleno século XX, na Rússia e no mundo soviético, a função era obviamente delegada ao Pravda. Que, em russo significa, modestamente, A Verdade. O glorioso Homus sovieticus, esta primícia dos regimes comunistas, diariamente enfiava a verdade socialista no bom lugar. O que deve explicar as altíssimas tiragens do Pravda. Não sei qual é a situação hoje, vinte anos depois da queda do Muro. É bastante possível que os ex-soviéticos já estejam sendo abastecidos com papel adequado. Mas não me espantaria que...

Não sejamos injustos. Não só os bravos camaradas socialistas careciam deste conforto hoje tão comum no Ocidente. No mundo muçulmano, pelo menos em alguns países que visitei, o recurso era a água, que os chineses teriam abandonado no século VI. Você senta no vaso e quando puxa a descarga leva um sobressalto: um jato de água fria no traseiro. Os árabes completam a higiene com a mão. E também comem com a mão. Mas atenção: há uma mão para cada coisa. Cuidado para não comer com a mão errada.

Em Valayaté-Faghih, Kachfol-Astar e Towzihol-Masael, os três livros-chave onde o aiatolá Ruhollah Khomeiny, guia e mestre da Revolução Islâmica no Irã, expõe sua interpretação do Sagrado Corão, lemos:

- Não é necessário limpar o ânus com três pedras ou três pedaços de pano, uma só pedra ou um só pedaço de pano bastam. Mas, se se o limpa com um osso ou com coisas sagradas como, por exemplo, um papel contendo o nome de Deus, não se pode fazer orações nesse estado.

- É preferível agachar-se num lugar isolado para urinar ou defecar. É igualmente preferível entrar nesse lugar com o pé esquerdo e dele sair com o pé direito. Recomenda-se cobrir a cabeça durante a evacuação e apoiar o peso do corpo no pé esquerdo.

- Durante a evacuação, a pessoa não deve se agachar de cara para o sol ou para a lua, a não ser que cubra o sexo. Para defecar, deve também evitar se agachar exposto ao vento, nos lugares públicos, na porta da casa ou sob uma árvore frutífera. Deve-se igualmente evitar, durante a evacuação, comer, demorar e lavar o ânus com a mão direita. Finalmente, deve-se evitar falar, a menos que se seja forçado, ou se eleve uma prece a Deus.

Assim, se um dia você se aventuirar pela Disneylândia das esquerdas, no Caribe, não esqueça de pôr na mala alguns rolos de papel higiênico. E se você ousar passear pela geografia de Alá - louvado seja seu nome! - não esqueça: não se come com a mão esquerda. Estraga a bóia.

*Publicado no blog do Janer Cristaldo

19 de agosto de 2009

Demanda e oferta

Vi no blog do Mr. X:

O problema:
FSP, 07/08/2009 - 20h46:
Em crise econômica, Cuba enfrenta escassez de papel higiênico
Em meio a uma séria crise econômica, Cuba está enfrentando escassez de papel higiênico e pode não ter o suficiente para atender à população até o final deste ano, disseram fontes de empresas estatais nesta sexta-feira.

A solução:
Globo, 09/08/09 - 08h28:
'Dicionário de pensamentos' de Fidel Castro é lançado em Cuba
"O (livro) do 'comandante' vende como pão quente, por isso tinham que ter feito uma tiragem de pelo menos 2 mil", disse à Agência Efe Magaly, de 71 anos, que não conseguiu um exemplar, apesar de ter chegado com quatro horas de antecedência.

14 de agosto de 2009

Fóssil ataca de novo

Pergunta direcionada aos simpatizantes do bolivarianismo vira-latas de Hugo Chávez: como noticiou a BBC e outras, o presidente venezuelano irá usar as escolas e universidades como centros de catequese socialista. Ou seja: vai empurrar pela marra nas mentes em formação idéias que não são partilhadas por todos (e mesmo que fossem!). Qual é a diferença disso para a tentativa de imposição politica do criacionismo feita pelos "neocons" da raivosa direita cristã americana?

Outro dia vi o jornalista Leandro Fortes ridicularizando o "pavor físico que a presença de Hugo Chávez na presidência da Venezuela" provoca em jornalistas e a analistas brasileiros. Isso levantra outra pergunta. O aparelhamento de um dos bens mais preciosos que um país pode ter não é, como direi?, digno de alerta?

12 de agosto de 2009

Só mais um

Segundo o site "Vermelho.org", o técnico da seleção argentina Diego Maradona afirmou que morreria por Fidel Castro. Bobagem. Seria só mais um: muita gente já morreu por, para, em decorrência e a mando do ditador cubano.

3 de agosto de 2009

Pela lógica, meus caros, vocês perdem

O jornalista Leandro Fortes, que usualmente assina as pautas políticas da revista Carta Capital e é autor do blog "Brasília, eu vi", aparenta não ter entendido um dos principais argumentos daqueles que são favoráveis a não obrigatoriedade do diploma para exercer jornalismo. Em post recente o jornalista escreve que "para quem acha que qualquer um pode ser jornalista, desde que escreva direitinho e saiba cozinhar, aqui vai uma dica de um repórter exausto e feliz: tentem a área de publicidade". É claro que não basta saber escrever direitinho para exercer jornalismo, sobretudo bom jornalismo. É necessário também saber apurar, avaliar, ser crítico e deixar a inocência bem longe. Nada disso, porém, se adquire exclusivamente com os cursos universitários de jornalismo. A não existência da necessidade de cursar jornalismo para exercê-lo é, portanto, um dos principais argumentos.

Fortes parece violar uma regrinha básica da boa argumentação. É de bom tom que se um argumentador defende uma tese P e outro argumentador defende uma tese não P, ambos devem combater os melhores argumentos que sustentam a tese do oponente. Por exemplo, se eu sou favorável ao aborto e o papa é contrário, é argumentativamente virtuoso que eu combata os melhores argumentos contrários ao aborto, e não os piores. Combater os piores argumentos de uma tese qualquer é o que chamamos de "falácia do espantalho". Se o Jornalista acha que todos os que são contrários a necessidade do diploma acreditam que "basta saber escrever direitinho" para ser jornalista, torna-se falacioso.

Aliás, quem disser que o diploma é necessário para o exercício da profissão, como quer o Senador Antônio Carlos Valadares (PSB-SE), terá alguns problemas. Basta que se encontre algum bom jornalista não diplomado para se provar que não é necessário ter diploma. Isso fica claro com a seguinte ilustração:

(i) É necessário ter diploma para fazer jornalismo
(ii) Fulano faz jornalismo e não tem diploma

Dado que é muito mais fácil demonstrar que há não diplomados fazendo jornalismo do que demonstrar a necessidade do diploma para executar o ofício (ambas as proposições não podem ser simultaneamente verdadeiras), a noção informal da plausibilidade nos autoriza a afirmar que (i) é provavelmente falsa.

O senador citado acima é autor de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC) que diz o seguinte: “O exercício da profissão de jornalista é privativo do portador de diploma de curso superior de comunicação social, com habilitação em jornalismo, expedido por curso reconhecido pelo Ministério da Educação, nos termos da lei”. Ficam de fora do escopo do texto os colaboradores sem vínculo empregatício com o veículo e o jornalista não diplomado que já possui registro profissional. Com uma pequena análise, é fácil mostrar duas dificuldades que a proposta do senador enfrenta.

A primeira é óbvia e já foi demonstrada. A segunda é um pouco mais sutil. Uma vez que a profissão de jornalista é privativa do “portador de diploma de curso de comunicação social, com habilitação em jornalismo” e considerando também que o senador vê a necessidade dos cursos universitários para o exercício da profissão, fica difícil de entender porque os jornalistas não diplomados porém registrados foram excluídos da PEC do senador. Por que em certas circunstâncias um registro faz um jornalista e em outras não? Que se vá, então, todo mundo para a escolinha! Se ele admite a existência de jornalistas sem diploma (somente registrados), admite também que o curso universitário não é necessário para se exercer jornalismo. Dessa forma, o jornalismo deixa de ser uma atividade privativa ao portador de diploma. Difícil de entender.