21 de novembro de 2009

Walter Sorrentino e eu

Walter Sorrentino acredita que os assassinatos que Cesare Battisti cometeu na Itália foram políticos. Eu não. Walter Sorrentino é um dos grandes nomes do PCdoB. Eu não. Walter Sorrentino justifica crimes de sangue quando enxerga motivações políticas em nome da “causa”. Eu não. Walter Sorrentino tem um blog chamado “Projetos para o Brasil”. Eu não. Walter Sorrentino deve se arrepiar todo quando pensa em colocar em prática seus projetos para o Brasil. Eu também me arrepio todo.

Um dos últimos textos que Walter Sorrentino escreveu defende a permanência de Cesare Battisti no Brasil. É uma posição arrojada. O italiano foi condenado por quatro homicídios em seu país de origem e é tido por todas as instâncias legais como criminoso comum. Já que quase ninguém liga para o que Walter Sorrentino escreve no blog, decidi comentar por lá. Ao me responder, Walter Sorrentino teve dificuldades para caracterizar assassinatos comuns como “crimes políticos”. Mas disse, porém, olímpicamente, que até “os fascistas sabem que foram crimes políticos, cometidos em nome de uma causa, mesmo sendo ‘de sangue.’” Ele só não disse quais fascistas endossam essa tese.

Para Walter Sorrentino, o assassinato de quatro pessoas, desde que em nome da causa, tem certo ar de legitimidade. Apesar de ter dito que não defende os métodos adotados pelo italiano, legitima-os ao posicionar-se em favor do refugio político. Walter Sorrentino parece se esquecer que não é muito usual conceder refúgio político para criminosos comuns.

Walter Sorrentino também acredita que o PCdoB, na época da ditadura militar, lutava para que a liberdade fosse restabelecida. Eu não. Desde quando partido comunista e liberdade convivem bem? Walter Sorrentino ignora os exemplos clássicos: União Soviética, China, Cuba, Camboja, Coréia do Norte. Se há um partido comunista no poder, não há liberdade. Walter Sorrentino prefere dizer que em todos os países capitalistas “há uma ditadura do capital, da fome, da guerra e da opressão”. É mesmo, Walter Sorrentino? Deve ser por isso que os noruegueses, suíços, ingleses, canadenses, chilenos e norte-americanos estão doidos para que algum partido comunista tome o poder.

Encerrando o debate, Walter Sorrentino pontifica: “O socialismo que defendo para o país será democrático, ponto. Quem viver verá.” Então tá. Walter Sorrentino acredita em socialismo democrático. Eu não.

19 de novembro de 2009

Tarso Genro está de sacanagem

O ministro da Justiça Tarso Genro é realmente birrento. Parece que quer se agarrar a qualquer coisa para manter Cesare Battisti no Brasil. O primeiro argumento do ministro era o de considerar Battisti como criminoso político. E, como tal, deveria ser abrigado no Brasil. Por cinco votos contra quatro, os ministros do Supremo Tribunal Federal entenderam que Cesare Battisti não é um criminoso político. Sendo assim, o argumento inicial de Tarso Genro é demolido. Mas o homem é valente e não aceita.

Segundo o Estado de São Paulo, o ministro agora vê pressões de cunho fascista vindas das autoridades italianas. Ou seja, Cesare Battisti é preso, julgado e condenado por quatro homicídios na Itália. Além disso, a condenação é referendada por organismos internacionais. Se os italianos o exigem de volta para que cumpra pena, eles estão se portando como fascistas.

Tarso vê também alguns fantasmas. Para ele, a "Itália não é um país nazista nem fascista, mas vem sendo constatado um crescimento preocupante do fascismo em parte da população italiana". Vem sendo constatado por quem, senhor ministro? Até onde me consta, a Itália ainda é um estado democrático em que influências de cunho fascista (e muito menos nazista) não fazem parte do ordenamento jurídico.

Ainda segundo o ministro, o Brasil se orgulha de sua tradição de conceder refúgio a vários perseguidos políticos e fugitivos de ditaduras. O que o senhor ministro não vê é que, dada a decisão do STF no caso Battisti, está oferecendo refúgio a um criminoso comum, e não político.

15 de novembro de 2009

O dito que nada diz

Na edição de número 137 da revista Cult, Francisco Bosco escreve um artigo sobre o "não dito" em algumas obras literárias. O "não dito", apresenta ele, é um modo de "como não dizer de forma singular" dentro da obra. Em certa altura do texto, Bosco tenta comparar, no que concerne ao "não dito", a obra "Leite Derramado", de Chico Buarque, à "O som e a fúria", de William Faulkner. Até aí, vá lá, a teoria da literatura deve dar conta desse tipo de meandro narrativo e nada há de terrível na comparação de obras. O problema se dá na absoluta pomposidade praticada pelo articulista em certos trechos. Refletindo sobre o princípio negativo, Bosco nos brinda com o seguinte parágrafo:

"Para além dessa mera descrição de procedimentos, importa observar que o princípio negativo que os orienta [os personagens] não constitui, ele mesmo, uma positividade. Em outras palavras, o não dito dessas narrativas é um mero não dito. Ele é, certamente, um efeito do dito, mas não chega a ser um modo negativo de dizer. Pois, como procurarei mostrar adiante, existe o não dito que é um modo de dizer."

Passe os olhos no parágrafo acima. Tente de novo. Mais uma vez. Qualquer leitor normal provavelmente andaria por estas linhas sem fazer a menor idéia do que querem dizer - mesmo com o auxílio do resto do texto. Admitindo que, de fato, o trecho queira dizer alguma coisa, o significado é praticamente tapado pelo excesso de abstrações exigidas do leitor. Não é um bom ponto de partida acompanhar o que o autor quer demonstrar sem fazer muita idéia do que ele quer demonstrar. Poucas pessoas têm paciência para reler um trecho cinco ou seis vezes. A obviedade gritante de que um artigo tem de ser o mais claro possível é constantemente ignorada. Os maneirismos acadêmicos tornam o exercício da clareza uma tarefa quase impossível. A vontade de ostentar um desempenho estilístico superlativo freqüentemente assassina um assunto interessante.

Existem, porém, casos mais graves. Em algumas situações a empolação estilística vem acompanhada de um bônus desagradável: a completa falta de noção. Pode ser sintomático que as áreas ligadas ao estudo da literatura foram um dos grandes expoentes de uma tradição de escrita que prima pelas trapalhadas vernaculares e, nos casos mais graves, pela estupidez pura e simples. Ficasse só nos estudos da literatura, não seria tão mal. Problema maior é quando filósofos famosos começam a pontificar sobre a "realidade"[¹]. Francis Wheen oferece um exemplo de deboche intelectual em seu delicioso "Como a picaretagem conquistou o mundo". O autor da façanha é ninguém menos do que Gilles Deleuze:

"Em primeiro lugar, os eventos singularidades correspondem a séries heterogênas, organizadas num sistema que não é estável nem instável, mas 'metaestável', dotado de uma energia potencial na qual se distribuem as diferenças entre as séries. (...) Em segundo lugar, as singularidades possuem um processo de auto-unificação sempre móvel e deslocado, na medida em que um elemento paradoxal atravessa as séries e as faz ressoarem, envolvendo os pontos singulares correspondentes num único ponto aleatório e todas as emissões, todos os lances de dados, numa única jogada."[²]

Como sugere o próprio Wheen, podemos passar horas fitando o parágrafo, tomar drogas alucinógenas para entendê-lo ou até mesmo tentar decompô-lo. Não adianta: o resultado será sempre o mesmo. Trata-se de um amontoado de palavras completamente destituído do mais ralo sentido. É quase aquilo que os portugueses chamam por "algaraviada". Aqui, diferente do texto de Francisco Bosco, é impossível supor que haja sentido. Só podemos rezar para que a frase "um dia, talvez, o século seja deleuziano", de Michel Foucault, não passe de puro delírio. Se um século, qualquer que seja, chegar a ser deleuziano, tanto pior para o século.

Richard Dawkins, em "O capelão do Diabo", também oferece um bom exemplo da mais lustrosa cara de pau. Jacques Lacan, um dos papas da psicanálise, teve realmente a coragem de dizer que o órgão masculino erétil "é igualável a raiz quadrada de -1 da significação produzida acima, do gozo que ele restitui pelo coeficiente de seu enunciado à função de falta de significante (-1)." Ora, aqui também não há qualquer chance de defesa. A sentença de Lacan não passa de pura bobagem. No caso, com o agravante de usar inadvertidamente elementos da matemática. Espero que ninguém pense em Lacan quando estiver com o órgão erétil.

É muito difícil levar a sério um teórico que diz uma coisa dessas - mesmo se estiver, em outro momento, dizendo algo sério. É uma atitude bastante sensata ter reservas quanto a tudo que um homem que proferiu uma patifaria desse nível disser. É mais ou menos como aquela história do garoto que sempre fingia estar afogando para pregar peças nos outros. No dia em que se afogou de verdade, ninguém deu a mínima.

Não há, de fato, a menor necessidade de se escrever um artigo ou texto comum com arroubos de grandiloquëncia estilística. Isso só servirá para aborrecer o leitor que tiver a bondade de pegar o texto para lê-lo. É no mínima uma falta de delicadeza com quem lê. Talvez seja interessante que Francisco Bosco tenha isso em mente no momento de construir um parágrafo como o citado aqui. Já no caso de Deleuze e Lacan, a coisa parece chegar ao domínio da pura patifaria intelectual. Recorrendo ao velho verniz de erudição disparatada que tende a esconder a pura falta de conteúdo, alguns pensadores do mesmo calibre ainda gozam de grande prestígio. Mas sempre surge um Alan Sokal[³] para acabar com a mixórdia.

[¹] Entre aspas, é claro, uma vez que, segundo certos papas do desconstrucionismo, a realidade é só uma construção textual.

[²] Pelo visto, o trecho é famoso. Richard Dawkins usa esta mesma passagem de Deleuze como exemplo de patifaria intelectual ao resenhar o livro "Imposturas Intelectuais", de Sokal e Bricmont.

[³] Alan Sokal, físico, é responsável por um dos momentos mais divertidos da academia norte-americana. Em 1996, submeteu um artigo completamente destituído de sentido à revista Social Text, editada pela Duke University Press. A revista é conhecida por enrolações pós-modernas e análises culturais disparatadas. O artigo de Sokal - Transgressão das fronteiras: por uma hermenêutica transformativa da gravidade quântica - foi publicado pela revista. Logo depois, Sokal informou que o texto era uma fraude repleta de nonsenses. O episódio abalou a reputação da revista e rendeu-lhe o prêmio ig-nobel de literatura em 1996. De forma olímpica, a Social Text seguiu em frente e continua a ser publicada.

9 de novembro de 2009

Que não volte nunca mais

Nestes dias se comemora os 20 anos da queda do Muro de Berlim. A queda, de fato, mais do que a união entre um país até então dividido, significa o enterro definitivo (espero!) de alguns dos regimes mais autoritários já conhecidos. Em nome da libertação da classe proletária das amarras impostas por industriais e proprietários de terra, criou-se uma casta dirigente impenetrável que fez dos cidadãos prisioneiros por quase um século.

Como salientou Edmund Wilson, Karl Marx não considerou que os governos revolucionários, que seriam exercidos pelos antigos oprimidos e por seus líderes, pudessem repetir a brutalidade praticada pelos burgueses da época. Chegou a acreditar, sim, em uma, digamos, tirania justa (se é que isso é possível). "O governo que Marx imaginava para o bem estar e a elevação da humanidade (...) era um despotismo de classe exclusivista e implacável dirigido por manda-chuvas de elevados princípios que haviam conseguido transcender suas classes de origem, como Engels e ele", comenta Wilson.

O que se viu, porém, com o surgimento do caráter autoritário destes regimes, foi que o tal despotismo exclusivista e implacável resultou em opressão pura e simples. Mesmo assim, Marx acertou em quase tudo. Tivemos um despotismo de classe exclusivista. Era implacável. Era dirigido por manda-chuvas. Infelizmente, ele errou na parte dos "elevados princípios". Como se sabe, os manda-chuvas realmente gostavam de prender, torturar e matar. Princípios elevadíssimos.

De todo modo, e deixando de lado a velha desculpa que afirma ser o socialismo real bem diferente do "científico" - como se dialética hegeliana fosse ciência -, ficou provado que governos supostamente libertadores do povo foram e são, na verdade, meios eficientes de autoritarismo. Foi assim na União Soviética. Foi assim no Camboja. É assim na China (mesmo que em economia a conversa seja outra). É assim em Cuba e é assim na Coréia do Norte - estes dois últimos as derradeiras reservas ambientais onde ainda podemos observar, do mesmo modo que apreciamos um panda em seu habitat, o fenômeno do centralismo econômico.

É exatamente por isso que me arrepio todo quando vejo alguém falar em revolução socialista no Brasil. Nunca existiu socialismo e liberdade ao mesmo tempo e em um mesmo lugar. Não tenho muitas razões para pensar que por aqui seria diferente.

Mas agora é comemorar. É tempo de abrir um bom vinho e brindar a queda de um monumento que representou o autoritarismo, o centralismo e a repressão. O muro, quando veio abaixo de leste para oeste (coincidência?), ajudou a colocar uma bela pá de terra nas tiranias de esquerda. Faltam ainda algumas pás de terra. Se Deus quiser, virão.

8 de novembro de 2009

Inversão*

A Universidade Bandeirantes (Uniban), depois de muita demora, resolveu agir. O caso é o seguinte: no dia 22 de outubro, a aluna de turismo Geisy Arruda foi à faculdade usando um vestido, assim, bem curtinho. Os outros alunos não gostaram. Por causa disso, fizeram uma baderna inacreditável por causa do paninho que a moça vestia. Geisy teve de ser retirada do local com a ajuda da polícia sob os gritos dos estudantes. Nada elogiosos, é claro. Todos estavam esperando a punição dos envolvidos para se colocar, enfim, uma pedra sobre o assunto. Mas o que a universidade fez? Expulsou Geisy. Para a Uniban, “a atitude provocativa da aluna resultou numa reação coletiva de defesa do ambiente escolar”. Ainda segundo a universidade, os alunos que foram identificados na algazarra foram suspensos temporariamente.

Muito curiosa a concepção que a Uniban tem do que é a “defesa do ambiente escolar”. Uma matilha de centenas de alunos prontos à agressão e com gritos de “puta” é certamente uma excelente maneira de se zelar pela, chamemos assim, moral e bons costumes. O linchamento verbal e a baderna se tornam instrumentos aceitáveis de manifestação em favor da, surpresa das surpresas!, ordem.

Trata-se do tipo da mentalidade porca que coloca a culpa do assalto no assaltado, ou que coloca a culpa do estupro na estuprada. “Ora, ela estava usando uma roupa tão curta! O acusado não pôde se segurar.” Como se fôssemos animais irracionais incapazes de refrear nossas vontades quando estimulados na direção de qualquer coisa. Se, como o assessor jurídico da universidade disse à Folha, a aluna já estava há algum tempo se comportando de maneira insinuante, que fossem tomadas medidas – em privado – junto à direção da instituição. Por que só agora?

É realmente estarrecedor que a universidade expulse a aluna e apenas suspenda os baderneiros. É possível extrair disso uma hierarquia de valores. A instituição parece achar mais grave uma aluna, vá lá, insinuante, do que a o linchamento verbal praticado pela matilha. Pior ainda é justificar a agressão como uma tentativa de “defesa do ambiente escolar.”

*Por motivos de pressão de todos os lados, a Uniban desistiu, nesta segunda (09), de expulsar Geisy.