Resenha do ensaio publicado em 1946 que recebeu o nome de "A Política e a Língua Inglesa". O texto pode ser encontrado na coletânea "Por que escrevo e outros ensaios", da editora Antígona e tradução de Desidério Murcho.
George Orwell, ao longo de seus 46 anos de vida, destacou-se como jornalista, romancista e ensaísta. No Brasil ficou conhecido como autor de “A Revolução dos Bichos” e “1984”, livros em que denuncia de forma caricatural, no caso da primeira obra, e pungente e escatológica, na segunda, os regimes totalitários – com claríssimas referências ao sistema soviético. Orwell foi um dos poucos intelectuais nos turbulentos anos 30 e 40 a denunciar abusos como o stalinismo quando boa parte da intelectualidade européia fechava os olhos aos violentíssimos governos praticados pelos chefes vermelhos do leste. Faz-se necessário, contudo, pontuar que Orwell partilhava de uma visão de mundo socialista. Porém, claro, um socialismo não totalitário.
Em um de seus vários ensaios, “A Política e a Língua Inglesa”, de 1946, o autor alerta para o mau uso desta língua e o relaciona a um “colapso geral” vivido pela sociedade da época. Orwell vê um assustador contexto em que a língua torna-se feia e imprecisa, porque os [nossos] pensamentos são tolos, mas o desmazelo com a [nossa] língua permite mais facilmente que tenhamos pensamentos tolos. Qualquer semelhança com o Brasil não vai ser nenhuma coincidência, sobretudo no discurso político – como será visto.
Orwell cita alguns exemplos da empulhação a que foram submetidos os leitores. Segue um caso ilustrativo atribuído ao professor Lancelot Hobgen:
Acima de tudo, não podemos jogar as sete pedrinhas com uma bateria de expressões que prescrevem colocações egrégias de vocábulos como o Básico carregar uma cruz em vez de agüentar ou ficar perdido em vez de confundido.
Para Orwell, a prosa em língua inglesa sofreria de dois principais males: o bafio de imagens e a falta de precisão. O autor ou quer dizer algo e não consegue exprimi-lo, ou diz inadvertidamente outra coisa, ou é quase indiferente à questão de saber se suas palavras querem ou não dizer alguma coisa.
Didático, Orwell enumera outros truques usados pelos autores para evitar a construção de um texto coerente:
Metáforas agonizantes – Se uma metáfora nova ajudar a evocar em imagens aquilo que se quer passar, há aquela classe de metáforas que o autor - mesmo sem ter a mínima noção de seu significado – usa para evitar o trabalho de tentar ser claro e original. “Tocar os sinos da mudança”; “empunhar a clava”, “pescar em águas turvas”, “marchar em uníssono” são alguns exemplos de metáforas desnecessárias usadas pelos autores. Várias dessas metáforas mudam de significado ao longo do tempo. E isso mostra o desinteresse dos autores em pesquisar sobre o que estão querendo dizer.
Muletas verbais – Em vez de se utilizar verbos e substantivos corriqueiros, opta-se pelo mais difícil: florear, evidentemente, o que poderia ser simples e direto. No lugar de “fundamenta”, “origina”, “vigora” usam-se expressões como “dá fundamentos para”, “dá origem a”, “entra em vigor”. Segundo Orwell, a tônica dominante é a eliminação de verbos simples. Os lugares-comuns como “deixa muito a desejar”, “não se pode esquecer”, “conduzido a uma consideração satisfatória” também são criticados pelo autor de 1984. Quem presta atenção sabe que o discurso corporativo é cheio de lugares-comuns.
Dicção pretensiosa – São palavras usadas para dar a um discurso tendencioso uma impressão de imparcialidade científica. Para tanto, palavras como “elemento”, “indivíduo”, “primário”, “constituir”, “eficaz” podem aparecer para mascarar opinião. Para dignificar o que Orwell chama de processos sórdidos da política internacional, palavras como “épico”, “histórico”, “triunfante” fazem da mais infame das atrocidades um belo exemplo de coragem e vitória. Além de criticar o discurso arcaico que tem por objetivo glorificar uma guerra (estandarte e couraçada, por exemplo, seriam expressões usadas para tal), são citados os desnecessários estrangeirismos anexados à língua inglesa. Para os maus autores, os estrangeirismos, sobretudo os de origem grega ou latina, passariam mais grandiloqüência. Procurar uma palavra comum na língua natal, claro, é sempre um caminho tortuoso.
Palavras sem significado – O escritor cita que, principalmente nas críticas de arte, é bastante comum encontrarmos longas passagens que não querem dizer absolutamente nada. O que poderia ser objetivo ou inteligível cai em um mar abstrato de masturbação lingüística que só serve para elevar o ego do autor. Se, evidentemente, o autor entender o que ele próprio escreve. Palavras como “morto”, “sentimental”, “vitalidade” são usadas com freqüência sem nenhum sentido. O uso de palavras políticas é igualmente obscuro. Usa-se uma palavra como democrático, por exemplo, para elogiar um país. Porém não há qualquer definição unânime sobre a palavra, o que a torna usada com muita freqüência de modo desonesto.
No campo da política, o discurso e escrita nada mais são do que a pura defesa do indefensável. Já que de modo objetivo e com palavras que invoquem concretamente o horror dos processos políticos quase ninguém aceitaria as barbáries, a saída é apelar para eufemismos. No lugar de roubam-se as quintas a milhões de camponeses, que são obrigados a arrastar-se penosamente pelas estradas apenas com o que conseguem carregar, a isto chama-se transferência da população ou retificação das fronteiras. Eis um bom exemplo de como se maquiar o horror.
Orwell defende que o caos político está diretamente associado ao declínio da linguagem. A simplificação do inglês (e isso se estende a qualquer língua) é uma maneira segura de escapar das piores tolices. A simplificação deveria, para o escritor, chegar ao ponto em que quando se fizer um comentário estúpido, a estupidez da fala se tornaria manifesta. Evidentemente, conclui, não se pode mudar de uma hora para a outra todos os vícios e bobagens adquiridas durante anos nas mais variadas espécies do discurso, mas começar a mudar os próprios hábitos já seria um excelente começo.
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