Disse um anônimo sobre o post anterior:
Se o que é chamado de liberdade de expressão não fosse algo pejorativo, motivo para chacota e criação de preconceitos; se não representasse, como em muitas vezes, um grito sobrepujante do locutor em querer se afirmar e mostrar uma pseudo superioridade; se não fosse direcionada à uma crítica superficial e sem proposta de soluções, vistas da forma mais imparcial possível; mas se constituísse uma análise dos fatos em prol da melhoria, da contestação embasada e aprofundada, sem rotulações e comparativismos, essa liberdade pode ser garantida, preservada. Muito mais que isso, é agregada de credibilidade, coerência, aplicabilidade. Um discurso que só ofende e denigre não pode ser razoável. Vou acrescentar àquele famoso dito popular: "Quem fala o que quer, ouve o que não quer e pode criar o que não deve."
Ele só se esquece que quando alguém ou algo proíbe determinado assunto de circular, esse próprio agente atribui a si mesmo uma óbvia superioridade. Quem - tirando o papa, é claro - nesse mundo é dotado de uma perfeição tal para normatizar o que pode e o que não pode ser dito?
Um discurso que só ofende e só denigre pode até não ser razoável. O problema é querer proibi-lo. Aliás, gostaria muito de saber qual é o limite que separa aquilo que é razoável daquilo que não é. No mais, boa parte das críticas que se fazem ao mundo islâmico são bastante razoáveis. Relativismo cultural é praga de ocidentais. Estes vêem qualquer resquício de realismo moral como uma tentativa de "julgar as outras culturas com a nossa ótica". A hipocrisia é desmascarada quando os mesmos relativistas criticam nossa "sociedade de consumo" ocidental. Ora, quando se faz um juízo de valor sobre qualquer demanda cultural, deixa-se o relativismo. Mas esse é só um dos problemas: o mais grave é que um relativista, por coerência teórica, deve ver práticas como o apedrejamento de homossexuais, chibatadas em locais públicos e até mesmo a escravidão ou a submissão das mulheres como meras manifestações culturais.
Ninguém tem o dever de moderar nas palavras só porque um grupo de fanáticos religiosos irá se sentir ofendido. Aliás, é interessante que o autor do comentário cite a palavra "imparcialidade". Não sei, mas tenho a ligeira impressão de que ser imparcial é adotar a praga do politicamente correto - como se tivéssmos mesmo de ser imparciais. Sai pra lá! Aqui não é Teerã. Felizmente eu ainda posso chamar pedófilo de pedófilo. E não tenho interesse nenhum em sugerir melhorias no momento. Só quero criticar. Se um aiatolá ficar chateado, que mova o rabo para cima e reze para Alá.
Já que toquei no assunto "relativismo cultural", aqui vai uma excelente refutação à teoria: http://criticanarede.com/fil_relatcultural.html. O texto é de Harry Gensler, da John Carroll University.
Um comentário:
Estou meio sem tempo, mas seus últimos textos realmente merecem algumas considerações. Sem querer desmerece-los, ao que me parece esse seu tipo de argumentação é completamente desconexa de nossa realidade histórica, jurídica, social e psicológica. E explico o porque.
Bom, em primeiro lugar gostaria que você me apontasse qualquer Estado de Direito que se pretenda democrático e que tenha a liberdade de expressão como absoluta. Isso significa, algum Estado democrático onde não se puna o crime de racismo, injúria, difamação, calúnia, ultraje a culto e impedimento ou perturbação de ato a ele relativo, ou no qual não haja danos morais e a imagem a qualquer lesado pelo exercício indevido da liberdade de expressão... Para facilitar sua busca, digo que esse Estado não existe e jamais poderia existir... E não porque meia dúzia de aristocratas diga o que é certo ou errado e delimitem a liberdade de expressão de acordo com o politicamente correto vigente a fim de que todos digam apenas o que a classe dominante queira ouvir. Muito pelo contrário. A limitação à liberdade de expressão, assim como a limitação de qualquer direito fundamental é oriunda de uma construção jurídica, histórica e social muuuuito complexa do que essa sua simplificação superficial de uma superioridade de alguém que diz o que pode ou não se falar. Como se sabe os direitos humanos consistem em uma construção histórica de aprendizados de determinadas experiências históricas que não desejamos reviver. Assim, quando se imputa o crime de difamação religiosa, há um motivo muito mais profundo para isso, que é o de justamente evitar que se criem refugiados pelo mundo por motivo religioso, uma vez que sejam considerados parias em suas sociedades e sofram determinadas perseguições físicas ou psicológicas, evitando a discriminação e a retirada de seus direitos fundamentais.
Defender a liberdade de expressão como um direito absoluto é complemente quixotesco na fase histórica que chegamos na afirmação de determinados direitos e valores consubstanciados no ordenamento jurídico interno e até mesmo no internacional. É completamente inconcebível que se defenda algum direito como absoluto, pois até mesmo o mais fundamental, o direito à vida, possui suas limitações, como no caso da legítima defesa e do aborto em determinados casos.
Só uma consideração antes de prosseguirmos. Você já colocou em determinado momento que o fato de defender a liberdade de expressão não significa que a pessoa não deve ser responsabilizada por seu ato. Você apenas se esquece que quando uma lei traz uma hipótese x com uma sanção prejudicial y, a lei não faz apenas uma imputação de uma hipótese a uma conseqüência. A lei possui uma finalidade pedagógica. O que ela quer dizer é mais ou menos ou seguinte: não faça x, mas se você fizer você sofrerá y. Sem falar que muitas vezes a lei busca prevenir censurando a prática de x na medida do possível. Se você distribui panfletos racistas, além de ser processado por esse crime, terá seus panfletos censurados. A finalidade pedagógica e preventiva da lei é legitimada pelos valores sociais vigentes. Na verdade trata-se de uma complexa relação de fato, valor e norma, conforme observação do jurista Miguel Reale. Até hoje, nunca ouvi grandes críticas e um desconforto em relação aos crimes em decorrente do uso da liberdade de expressão. Por isso, concorde você ou não, essas leis são legitimadas pela sociedade, muito mais pela forma de seu surgimento como já expliquei acima) e são dotadas de efetividade. Muito mais estranho do que a efetivação dos limites da liberdade de expressão para a preservação das bases do Estado Direito, seria a impossibilidade dessa efetivação por possuirmos um Estado sem legitimidade.
Então, uma vez que seja um fato e uma realidade que há limitações a liberdade de expressão, como o anônimo muito bem exemplificou, que surgem da compreensão mais profunda das finalidades e do mecanismo do exercício desse direito, você até poderia realizar uma crítica a afirmação desses limites, que como visto vem sendo de forma inafastável afirmados internacionalmente. Mas eu simplesmente não conheço argumentos viáveis que possam afastar a imputação dos crimes já citados (racismo, injúria, difamação, calúnia) sob o argumento do direito ao exercício da liberdade de expressão poder ser usado mesmo que banalmente para “fazer uma crítica” sem nenhuma finalidade, então só para dar boas risadas, ou até mesmo para ofender. Será que é certo ferir princípios como o da dignidade humana, da liberdade de culto e religião, o direito de personalidade de imagem e a honra para um fim tão vazio e mesquinho? Para você é razoável ferir todos esses princípios em prol do uso de uma liberdade de expressão banalizada? Bom, foi uma longa trajetória histórica (passamos por guerras, genocídios, auto-tutela da honra com assassinatos sem direito a defesa, segregações, sofrimentos e vergonhas) na afirmação de que essa tese não é razoável. Finalmente consubstanciamos essa irrazoabilidade em inúmeros dispositivos internos e declarações de direitos humanos para a proteção de valores maiores que devem ser preservados a cada indivíduo.
Você que preza tanto pela defesa da liberdade de expressão deveria valoriza-la mais. A banalização em seu uso é o que a corrói e cada vez mais é o principal ensejo de sua limitação. Parece que você, com sua falta de confiança no Estado, nas leis e nas instituições, prefere viver na ridícula hipótese do “estado de natureza”. Só esquece de que desde cedo já avisavam que o “homem é o lobo do homem”, já diria Hobbes e uma sociedade na qual não estejam estabelecidas regras de conduta que sejam dotadas de legitimidade social, confere ao ser humano a degradante condição de ser relegado ao uso da força para defender seus interesses. Por exemplo, alguém se sente extremamente ofendido em sua dignidade, honra, imagem. Suponhamos que, conforme queira você, o ordenamento jurídico não confira um poder institucionalizado ao qual recorrer para que o ofendido obtenha a reparação de seus danos. Ou que não se exerça meios de censura para que o dano não se propague mais. O sentimento de impunidade fará com que, caso o ofendido seja um grande poderoso faça justiça com suas próprias mãos, como ainda ocorre nos sertões do Brasil a fora. Vence o mais forte. Caso seja um grupo de fanáticos religiosos, nada custará presentear o ofensor com uma bomba ou algo que o valha, podendo ferir muitos outros inocentes. Agora se a pessoa for um pobre coitado, inexistiria proteção a sua dignidade, a sua honra, caso não haja uma instituição que tutele esses seus direitos. Ou seja, os limites, como já disse em outra oportunidade, tem relação direta com a própria igualdade a que tanto buscamos.
Bom, se você se convenceu que a liberdade de expressão não apenas é limitada como fatalmente DEVE ser limitada nas leis, você pode criticar: e quanto aos que aplicam as leis? Há essa relação de superioridade? Ora, relamente, quando um direito humano é ferido, você recorre ao Judiciário e quem vai acabar decidindo a questão é um grupo restrito de magistrados que vão dizer o que é razoável ou não. Obviamente não será uma decisão isenta do mínimo de subjetividade. Mas é completamente desconhecedor do mecanismo decisório quem diz que a imparcialidade consiste no politicamente correto ou que é simplesmente impossível. Muito pelo contrário. Existem estudos, doutrinas, jurisprudências e principalmente técnicas jurídicas para a ponderação dos casos conforme o ordenamento jurídico e os anseios sociais, e cito, por exemplo, a técnica da proporcionalidade aplicada pelo STF. Obviamente o uso de tais técnicas não afasta a possibilidade de eventualmente questionarmos se elas foram bem ou mal aplicadas se a decisão foi o não correta do nosso ponto de vista – inclusive eu achei um exagero a punição do blog que fez piada com os vegetarianos. O fato de eu discordar com a decisão não tira a credibilidade e legitimação que o Judiciário possui, muito mais quando eu sei que os prejudicados por uma decisão como esta poderão recorrer e possuem a disposição mecanismos para questiona-la. Mas só para te tranqüilizar que não estamos à mercê de meia dúzia de juristas que dirão o que é o não razoável. Sem falar, que ao longo também de um longo processo histórico foram criados inúmeros mecanismo de se evitar a arbitrariedade no “dizer o direito”. De modo mais amplo, a célebre separação de poderes de Montesquieu, no qual um Poder poderia controlar e limitar o outro, até ao duplo grau de jurisdição no qual as decisões podem e devem ser revista, o controle da imprensa e em certa medida o social. Inclusive se você achar que a decisão do STF, após passar por todas as instâncias possível da jurisdição e se valer de todos os recursos que lhe confere o direito a ampla defesa e ao devido processo legal, é completamente arbitrária, injusta e incabível. Ainda assim você pode recorrer a Corte Interamericana de Direitos Humanos, na qual você poderá pleitear contra o Estado brasileiro (inclusive, a Corte funciona tão bem que o Estado do Chile já foi condenado ao meu ver acertadamente por ferir a liberdade de expressão na proibição da exibição do filme “A última tentação de Cristo”). Por isso, não há essa relação de superioridade entre os que decidem o que é ou não razoável. Primeiro pela própria legitimação social desses organismos que fazem esse controle. Segundo, pela complexa forma de se constitui o processo decisório. Terceiro, pelas diversas instâncias a que estamos tutelados conforme o princípio do devido processo legal.
Concluindo, não se trata de se limitar à liberdade de expressão por ser relativista e achar que tudo é certo e nada deva ser criticado. É justamente por saber que há valores que a experiência histórica e social mostrou como imprescindíveis para uma convivência humana pacífica, que todos os direitos são passíveis de limitação para que possua uma harmonia entre todos eles que muitas vezes são conflitantes. Realmente, o relativismo possui o ônus da submissão a classe dominante local. Eu já defendo a tese de um universalismo não no sentido de impormos nossos valores ocidentais a todos os povos do mundo na nossa arrogância de que temos o privilégio da verdade. Mas um universalismo de Ferrajoli que preze pela paz, para vivermos todos com nossas diferenças sob o mesmo teto, diferenças essas que devem ser respeitadas e para tanto é imprescindível que determinados valores estejam enraizados em todos os Estados.
E quanto à paz, bom ainda pretendo fazer uma breve consideração. Nos preocupamos tanto em “só criticar” sem nenhum objetivo, sem nos importamos com os ofendidos e com os sentimentos alheios. Acusamos pessoas de crimes sem darmos chance de defesa e sem realmente sabermos das evidências que poderiam trazer a tona verdade (cuidado ao chamar um pedófilo de pedófilo e não incorrer no crime de calúnia). Mas você já pensou, como nossa a vida é um piscar de olhos relativamente à idade do universo, como o ser humano é tão pequeno em relação à grandiosidade dele, e como nós perdemos tempo de nossa medíocre existência nos ofendendo, nos criticando, desferindo palavras agudas, magoando pessoas e destilando ódio, como se pretensamente fossemos muito superiores um dos outros pelo privilégio de uma verdade pretensamente descoberta? Esquecemos que na verdade somos só uma poeira que hoje está e amanhã ninguém soube que existiu e que deveríamos nos preocupar mais em ter uma convivência harmônica com as pessoas, valorizando melhor a exceção que nos foi conferida, a vida. Dessa forma, qualquer palavra deveria ter essa finalidade preciosa. Para encerrar poderia citar Jesus Cristo, Gandhi, a Miss Universo, ou os ensinamentos da minha vó. Mas vi que em outra oportunidade você deixou um vídeo no seu blog de Carl Sagan e é com ele que eu encerro: “A Terra é um palco muito pequeno em uma imensa arena cósmica. Pensem nos rios de sangue derramados por todos os generais e imperadores para que, na glória do triunfo, pudessem ser os senhores momentâneos de uma fração deste ponto. Pensem nas crueldades infinitas cometidas pelos habitantes mal distinguíveis de algum outro canto em seus freqüentes conflitos, em sua ânsia de recíproca destruição, em seus ódios ardentes.
(...)
Nossas atitudes, nossa pretensa importância, a ilusão de que temos uma posição privilegiada no universo, tudo é posto em dúvida por este ponto de luz pálida. O nosso planeta é um pontinho solitário na grande escuridão cósmica circundante. Em nossa obscuridade, no meio de toda essa imensidão, não há nenhum indício de que, de algum outro mundo, virá socorro que nos salve de nós mesmos. Talvez não exista melhor comprovação das loucuras da vaidade humana do que esta distante imagem de nosso mundo minúsculo. Para mim, ela sublinha a responsabilidade de nos relacionarmos mais bondosamente uns com os outros e de preservarmos e amarmos o pálido ponto azul, o único lar que conhecemos”.
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