“Adevogada”, vou tentar ser um pouco mais breve agora, pois estou cheio de trabalhos para fazer. O que não significa, é claro, que não dê atenção ao que escreve. Eu preferiria que você se identificasse para eu ter, numa linguagem técnica, um designador rígido ao qual me apegar. Apenas gosto de saber o nome das pessoas com quem converso. Tive discussões com duas leitoras nesse mesmo blog que, como você, preferiram não se identificar. Na altura, eu fiz a mesma intervenção. Mas isso é uma questão menor.
Ah, sim, eu nem cogitei que você fosse uma psicopata que por algum motivo queria me matar. Nem mesmo que fosse alguém dedicada a me difamar por aí. De modo que eu não “posso” ficar tranqüilo a partir do momento que sei disso, já que estava tranqüilo por jamais considerar essas possibilidades terríveis! Cuidado com esse tipo de argumento. É meio semelhante com a famosa falácia “ladeira abaixo”. Mas eu não vou te aporrinhar com lógica informal.
E sim, estou de pleno acordo com sua consideração acerca do direito de responder ao que escrevo. Eu jamais iria dizer qualquer palavra contrária sobre isso. Se disse, o que não acredito, foi uma estupidez sem tamanho. Você tem todo o direito de vir aqui e escrever o que bem entender. Nisso estamos conversados. Estou totalmente disposto a ouvir o que for que diga. E sei que você também está ciente que posso concordar com suas idéias ou não.
Você diz que é um problema o fato de eu eventualmente transcender o mero humor – ou como comumente concebemos o que é uma piada. E eu não entendi porque isso seria um problema. Se eu escrevo o que escrevo, seja qual estatuto dermos aos escritos, e ao mesmo tempo admito profundamente o direito de discordarem publicamente de mim, não há problema algum. Claro, estou totalmente ciente de que o que eu escrevo pode eventualmente magoar alguém. Por exemplo, eu acredito que o papa nada mais é do que um velhote que usa saias proferindo alguns anacronismos. Num país como o nosso, isso pode soar ofensivo a milhões de pessoas. Penso nisso? Talvez. Me importo? Pouquíssimo. Deixaria de escrever isso porque ofenderia milhões de pessoas? Jamais. A liberdade de se expressar tem essas coisas: por vezes ouvimos ou lemos coisas que detestamos. Mas isso você deve saber tão bem ou melhor do que eu.
Eu afirmei que não aprovo piadas de cunho racista. Foi uma declaração bastante pessoal. Mas defendo que qualquer pessoa – e isso é muito polêmico – possa defender suas idéias sejam lá quais forem. Não acho que deva haver de início coisas que não se devam falar. Vejamos alguns casos práticos: já ocorreu, em países europeus, algumas prisões de historiadores porque declararam academicamente que o holocausto não foi exatamente o que foi. Ora, é claro que sabemos o que foi o holocausto, mas isso significa que devemos criminalizar a opinião de quem acha diferente? Outro exemplo, e célebre, foi o do biólogo americano James Watson, nobel de medicina por suas contribuições no estudo do DNA. Há pouco tempo, se não me falha a memória, ele disse que há a possibilidade de os africanos em geral serem menos inteligentes do que outros povos. É uma declaração politicamente incorreta? Muito. Vai contra todas as nossas intuições e pudores. Isso não me é muito relevante. O que eu quero saber mesmo é se isso é verdade ou não.
Sempre quando se fala em restrição à liberdade de se expressar, eu fico preocupado. O tal do "politicamente correto" que vemos hoje vigorar, por exemplo, supostamente em prol de maior tolerância entre os diferentes, pode se tornar exatamente o oposto daquilo que supostamente pretende. Ou seja, pode se tornar uma ditadura de opinião. Isso não é tão raro na história. Acontece até com certa freqüência.
Sobre preconceitos, que nada mais são do que opiniões que não podemos justificar ou, para adotar o conceito mais comum, aquilo que julgamos sem conhecer, é absolutamente disputável que seja todo e qualquer tipo de preconceito necessariamente ruim. Se pensarmos na história evolutiva, é bem capaz de existirem exemplos que mostrem que determinados tipos de preconceitos são benéficos ou se mostraram assim. Aliás, “um homem sem preconceitos é um empirista empedernido, uma besta, um monstro amoral”, disse o às vezes bom e às vezes nem tanto Reinaldo Azevedo. No mais, não sei qual sua real opinião em relação aos preconceitos. Em um momento parece desaprovar totalmente, em outro parece ser mais condescendente.
Ah, e cuidado ao falar de filosofia. Pode incorrer em alguns erros. Existem “conceitos preconcebidos” e também buscas de verdades universais que são absolutamente legítimas. Forçando um pouco, podemos colocar toda a argumentação em favor da conceituação de conhecimento como uma crença verdadeira e justificada como algo, digamos, preconcebido. Se esse exemplo não servir, podemos citar alguns sistemas morais que partem de princípios revelados e bastante sofisticados. Se deslegitimarmos isso, estaremos deslegitimando boa parte da epistemologia tradicional. Não é tão simples assim, como vê. Em relação às “verdades universais”, boa parte de toda a filosofia se dedicou e se dedica a isso, não necessariamente nesses termos. O que é o conceito modal de “necessidade” se não algo que não poderia não ser verdadeiro em qualquer hipótese? Há uma universalidade nisso.
Bom, acabei, como sempre, escrevendo demais!
2 comentários:
Se você prefere um designador rígido ao qual se apegar, que assim seja, não vou estender a polêmica além do necessário.
Quanto à liberdade de expressão, é necessário muita, mas realmente muita cautela ao analisa-la. Seu pensamento me causa menos espanto quanto causaria na maior da parte das pessoas, pois até que você me esclareça o contrário, é fruto de uma concepção simplista da consideração desse direito fundamental. Obviamente que de forma alguma quero menosprezar sua opinião, pois inclusive foi defendida nas instâncias superiores de nossa jurisdição por respeitosos juristas.
No entanto, parece que sua opinião se fundamenta na observância de apenas um ângulo da questão, considerando apenas uma face da moeda, uma parte da história e um núcleo de direito, dentre os muitos existentes. Pelo o que entendi, na sua opinião, basta que não haja alguma ressalva a liberdade de se expressar que estaremos resguardados de uma ditadura de opinião, regimes totalitários ou algo que o valha. Ou ainda, se não protegidos totalmente desses regimes, no mínimo estaríamos um passo distante de seu retorno.
Eu digo justamente o contrário. A banalização da liberdade de opinião, considerando a possibilidade que todas as idéias possam ser divulgadas, pode gerar um efeito inverso, deteriorando as bases do Estado de Direito, principalmente os democráticos, nos quais a busca pela igualdade material e formal dos indivíduos se faz imprescindível. Por isso, que no nosso ordenamento jurídico existem outros valores que não podemos perder de vista ao tratarmos de qualquer efetivação de um direito fundamental. Cito os mais relevantes, os quais você não parece se atentar como o princípio da dignidade humana, o direito à honra, bem como os já citados, princípios da igualdade do regime democrático e quaisquer outros inerentes a uma sociedade pluralista. Parece uma contradição estabelecer certos limites para proteger tais valores. Mas analisando a situação com a profundidade que merece verificamos que não é uma contradição mas uma necessidade.
Ocorre que a divulgação de determinadas idéias possui a deletéria conseqüência de levar justamente à segregação, à discriminação e à diminuição de determinados sujeitos presentes em nossa sociedade que deveriam ser tratados como iguais. Como atribuir a igualdade política a todos e consubstanciar os valores de uma sociedade livre e justa se houver a propagação psicossocial de idéias que possuem o poder de diferenciar as pessoas não em razão de sua individualidade inerente à pessoa humana, mas sim em justificativas pretensamente cientificas, culturais, religiosas ou valorativas? E digo pretensamente cientifica, pois não se trata de censurar a priori determinados estudos científicos ou revisionismos históricos sob a bandeira da tolerância e do respeito à dignidade humana. Mas sim, de se verificar a posteriori os limites de uma sustentação ideológica carregadas de um intuito discriminatório e racista mascarados por um cunho científico. Cito a consideração de um Desembargador que ponderando a questão observou de forma extremamente coerente:
“O comportamento social é necessariamente teleológico, realiza um projeto, caracteriza-se pela intencionalidade, e só tem sentido na relação entre a situação que o agente vive e a orientação que consciente ou inconscientemente adota”.
Portanto, não pretendo estabelecer o início de coisas que devem ou não ser faladas. Mas defendo, sim que qualquer divulgação de uma opinião deve ser vista com cautela e postura crítica, para justamente não sermos levados a acreditarmos em uma verdade forjada com meia dúzia de termos científicos, cujas conseqüências sejam a de deteriorar de forma mais ou menos sutil, mais ou menos explícita, ou ainda mais ou menos consciente, todos os direitos fundamentais relacionados à igualdade e à preservação da dignidade humana, os quais a duras penas foram conquistados e consubstanciados em praticamente todas as Constituições dos Estados que se pretendam de Direito e de todos os estatutos internacionais de Direitos Humanos.
Por isso, se o ganhador do prêmio Nobel vier com um estudo sobre a possibilidade da inferioridade intelectual dos africanos, eu não vou querer saber se isso é ou não verdade, mas sim, vou desconfiar conforme alertou o Desembargador... O que James Watson quis ao iniciar esse estudo? Quais suas conseqüências? Até que ponto seus pressupostos teóricos são livres de uma ideologia discriminatória ou racista? Para só então, ter minha opinião sobre se tal estudo deve ou não ser censurado.
Isso, considerando que não nos encontramos em uma sociedade imune das manipulações intelectuais e de pleno discernimento quanto ao respeito de nossos próprios direitos e os dos outros. Porque você poderia trazer o argumento de que seria um problema do interlocutor a influência de certas ideologias preconceituosas ou discriminatórias possuem em suas ações, como você já colocou em outra oportunidade. Ora, seguindo esse raciocínio cada um poderia muito bem ignorar e caso queiram acreditar ou tomar uma verdade como certa em sua vida, problema de cada um! Mas essa idéia traz conseqüências tão negativas, já visualizadas por Hannah Arendt na sua inesquecível consideração da “banalização do mal” como terminologia usada na expansão do consentimento das ações mais vis praticadas pelos seres humanos contra si, que nos torna simplesmente inerte. Aí sim acredito no uso da liberdade de expressão, como arma contra as ‘ditaduras de opinião” que nasceram muitas vezes dessa forma sutil, aparentemente inofensiva ou outras vezes heróica e inovadora. É nesse ponto que repugno qualquer tipo de censura na defesa dos valores como a “diversidade, pluralidade e pela singularidade da natalidade” nas palavras de Celso Lafer, nem que para tanto seja sob a forma da desobediência civil.
Por isso, insisto na responsabilidade que cada um possui com as idéias divulgadas, tanto em termos micro ou macro-sociais. Assim como, o Estado, que seja o poder Judiciário, possui sim função de efetivar ao máximo os direitos fundamentais e intervir caso sejam violados, ou ainda decidir no caso de conflito entre eles, verificando a repercussão da prevalência de um em detrimento de outros na vida de cada cidadão, seja ele componentes de uma minoria, maioria, ou quem for.
Neste ponto, outro argumento que eu não aceito no que tange a liberdade de expressão é a verificação de quantas pessoas são ou não atingidas em seus outros direitos, ou qual o caos social que potencialmente a propagação de uma idéia preconceituosa ou racista pode gerar. Em primeiro lugar é imprevisível prever a extensão que a ideologia pode ou não chegar. Além disso, um estado democrático não está apenas para tutelar os interesses da maioria.
O que eu quero dizer é que assim como o direito a liberdade de expressão deve ser valorizado, pois de certa forma foi construído por meio de uma processo de aprendizado histórico, outros direitos também são oriundos de uma experiência traumática, que a qualquer custo devemos evitar revive-los. É dessa forma que os Direitos Humanos são construídos. Por isso, a verificação de qual a melhor maneira de resguarda-los segue uma análise do caso concreto visto em um contexto muito mais amplo, do que simplesmente reduzirmos a questão a “não há limites”, ou então “os limites começam ali ou aqui”.
Para resumir minha opinião, há sim limites! Mas que só podem ser verificados por meio de uma complexa análise casual.
Cito ainda Kevin Boyle, justamente para você compreender os problemas em não verificar os limites da liberdade de expressão:
“A liberdade de expressão, incluindo a liberdade de imprensa é fundamental a democracia. (...) Mas igualmente o elemento central da democracia é o valor da igualdade política. ‘Everey one counts as one and no more than one’”, como disse Jeremy Bentham. (...) Uma sociedade que objetiva a democracia deve tanto proteger o direito a liberdade de expressão quanto o direito a não descriminação. Para atingir a igualdade política é preciso proibir a discriminação ou a exclusão de qualquer sorte(...)”.
Aí está o problema central de se permitir a divulgação de quaisquer idéias.
Quanto aos preconceitos é outro assunto que eu simplesmente preciso fazer uma consideração razoável. O fato de eu parecer condescendente é pela constatação de que se trata mais de um fato psicossocial. Todos nos temos preconceitos, simplesmente porque é impossível para o ser humano conhecer todas as idéias e situações da humanidade a fundo para então saber qual opinião seria a mais certa ou errada e tomarmos nosso posicionamento do que gostamos ou não. Simplesmente defendemos posições muitas vezes sem conhecer o outro lado, ou conhecendo tão superficialmente que criamos uma idéia por trás dessa superficialidade (que nada mais é do que um preconceito) que faça nos apegar mais ainda a nossas convicções ou morais. Assim, eu não julgo a questão com falsos moralismo, quando eu mesma os tenho um monte de preconceitos. No entanto, acho que nossa postura deve ser outra em relação a eles. Por exemplo, possuo muitos preconceitos também em relação aos comunistas. Preconceitos porque tudo o que eu conheço do regime comunista é o que aprendi em meia dúzia de aulas sobre Karl Marx nas aulas de economia política. Dessa forma, possuo uma visão quixotesca daqueles que vestem sua camisa do Che Guevara e vão a praça pública querendo doutrinar qualquer coitado que esteja passando. Mas isso não me faz adotar uma posição de superioridade em relação a eles, como se eu possuísse o privilégio da inteligência por perceber as contradições que eles simplesmente insistem em fechar os olhos. E se na verdade quem está fechando os olhos para algum ponto que eles se atentam sou eu? Portanto, quando eu tiver a chance de buscar a profundidade de um comunista, eu posso encontrar alguma e concordar ou não, ou até mesmo não encontrar nenhuma. Mas só então eu vou poder adotar essa posição de superioridade intelectual de reter o privilégio de uma convicção fundamentada em relação aos comunistas. Ocorre que como quase nós nunca vamos a fundo do conhecimento de nada, travamos posições inflexíveis e nos consideramos superiores por concepções que nada mais são que meros preconceitos. Não acredito que a real convicção, a moralidade e a inteligência estejam em nos apegarmos a eles. Porém, constato sim que os preconceitos muitas vezes são imprescindíveis para nossa moral, conforme Reinaldo de Azevedo, pois, sendo um fato que é impossível ter certas convicções sem preconceitos, pelo menos teremos um porto seguro, uma tranqüilidade interior sobre as crenças que devemos ter, necessárias a vida humana. Mas quero frizar, a função dos preconceitos se encerram nessa simplificação de uma necessidade humana que é ter com o que se apegar. Jamais deve ser visto como o ideal. Por isso, já que estamos aqui citando, fico com a consideração do filósofo e jurista Norberto Bobbio:
“O preconceito não apenas provoca opiniões errôneas, mas diferentemente de muitas opiniões errôneas, é mais difícil de ser vencido, pois o erro que ele provoca deriva de uma crença falsa e não de um raciocínio errado que se pode demonstrar falso, nem da de incorporação de um dado falso, cuja falsidade pode ser empiricamente provada”.
Assim, se expormos e assumimos nossos preconceitos devemos estar dispostos a quebrá-los. Se isso não for possível, ficamos com eles para podemos ter o que falar em uma discussão em um happy hour qualquer, ou para temos aquela paz necessária de que nem tudo é válido e moral. Porém sem a pretensão de que essas idéias façam parte de nossa convicção, moralidade ou o núcleo de nossa virtude imutável e verdadeiro, profundo e real. Agora, quando usados a fim discriminatórios... aí voltamos ao início do texto, pois são simplesmente repugnantes...
Quanto à filosofia, não quero adentrar em uma área que possuo apenas meia dúzia de idéias a respeito. A única ressalva que eu faço é que se tratando de uma ciência que busca o conhecimento de “verdades universais”, me corrija se eu estiver errada se esse não for o escopo do pensamento filosófico, o método zetético, no qual todos os pressupostos teóricos possam ser contestados (o que não significa que não haja uma delimitação metodológica para que os questionamentos sejam feitos), é mais apropriado que o dogmático que adota certos pressupostos como ponto de partida da investigação cientifica. Pode me corrigir se eu entendi errado, mas pelo que você disse é possível fazer filosofia por esse método dogmático? Bom, essa hipótese me pareceria absurda, porque se, por exemplo, queira fazer uma investigação sobre Deus, seria mais apropriado para Teologia utilizar o método dogmático que não questionará o pressuposto Deus, do que para a Filosofia que não deve se ater a esses limites...
De qualquer forma, ao contrário do que parece, também tenho mil coisas outras para fazer... Mas esse assunto relacionado a Direitos Humanos é simplesmente um dos quais eu não consigo deixar de fazer minhas considerações.
Ah sim, a maioria das idéias aqui transcritas, inclusive as citações foram retiradas do debate do HC 82.424, julgado pelo STF, que possui opiniões das mais diversas das quais pude retirar minhas conclusões...
grande Reinaldo Azevedo
Postar um comentário