6 de outubro de 2009

Humor: Filosofia do Chifre

Muita gente diz por aí que a filosofia é de algo inútil. De fato, não serve para plantar, não dá para comer, não faz muita diferença na estrutura de mercados internacionais e ninguém que arrisca na Bovespa dá antes uma passadela de olhos na Metafísica de Aristóteles. O senso comum, enfim, é partidário de certo positivismo prático em que o principal lema poderia ser “se não tem aplicabilidade prática, é puro diletantismo”.


Isso tudo, evidentemente, não é verdade. Podemos pensar filosoficamente sobre os mais importantes temas da humanidade. O principal? A cornitude. É um fenômeno realmente interessante. Nunca acontece em primeira pessoa, só em terceira. Todo mundo tem um primo, um amigo ou um irmão que acordou mal acomodado no travesseiro por efeito de uma anomalia anatômica sobre a cabeça. Em suma, há mais primo, amigo ou irmão do que chifre. Comigo? Nunca!


A filosofia sempre gostou de delimitar coisas, de diferenciar coisas e de conceituar coisas. A cornitude não escapou. Existe, por exemplo, o corno metafísico. Explico: a metafísica é a área da filosofia que estuda a estrutura mais fundamental, digamos assim, da realidade. E uma vez que o chifre é uma entidade realmente existente, não poderia escapar ao estudo da metafísica. Chamamos corno metafísico aquele que possui os chifres, mas não sabe da existência deles.


Citei o verbo “saber”? Sim, e a palavra saber lembra outra área da filosofia: a epistemologia. Grosso modo, podemos definir a epistemologia como a disciplina que tenta estabelecer condições necessárias e suficientes para atribuir um determinado conhecimento proposicional a dado indivíduo – seja ele corno ou não. Dessa forma, o corno que tiver ciência da sua condição humilhante é chamado de corno epistêmico.


Atenção: todo corno epistêmico é também metafisicamente corno, mas nem todo elemento metafisicamente corno é um corno epistêmico. Alguns filósofos da cornitude estabeleceram que o coerentismo é a teoria que melhor explica a cornitude epistêmica. Logo se percebe o motivo: é perfeitamente intuitivo pensar que a proposição “sou corno” é bastante coerente com proposições do tipo “há 17 chamadas de um tal Fernando_academia no celular da minha namorada”.


Existe também o corno modal. A modalidade é basicamente o estudo de noções como possibilidade e necessidade. Há coisas que são, mas poderiam não ser; há coisas que são e não poderiam não ser. Há também coisas que não são e poderiam ser e coisas que não são e não poderiam ser. O corno modal está entre os que são e não poderiam não ser. Trata-se da espécie mais humilhada e resignada de todos os chifrudos. O corno modal é corno em todos os mundos possíveis em que ele existe. Em suma, se ele existir, ele necessariamente será corno. A expressão "mundo possível" significa "modos como as coisas podem ser". Logo, não há forma de o corno modal não ser corno.


Alguns filósofos, para salvar a pele dos cornos modais, tentaram elaborar uma teoria que diz que um corno modal é um ser necessariamente inexistente. Desse ponto de vista, um corno modal é como um triângulo quadrado. A falcatrua fica evidente quando percebemos que o triângulo quadrado é uma bizarrice analítica gritante, ao passo que o corno modal é perfeitamente aceitável conceitualmente. Falando como os essencialistas, o corno modal é essencialmente corno. Nele, o chifre não é acidental.


Todo corno é metafisicamente corno. Mas não é todo corno que é epistemicamente corno, como já dito. Todo corno modal é, obviamente, metafisicamente corno. E todo aquele que ainda não é corno é possivelmente corno. Dessa forma, há pelo menos um mundo possível em que um atual não-corno possui vistosos chifres. A cornitude é ampla. E ainda assim parecem existir mais primos, amigos ou irmãos do que chifres. E olhe que estes vêm em par.


Por fim, corno é aquele que diz: no creo en el cuerno, pero que lo hay, hay.

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