3 de março de 2009

Ditadura? Sim, mas só de um lado

Causou bastante indignação editorial publicado na Folha de S. Paulo em que o veículo classifica a ditadura militar vivida no Brasil de “ditabranda” - que, de fato, é um termo de gosto discutível. Várias cartas foram enviadas à redação do jornal repudiando o uso da expressão. As cartas lembravam os horrores e abusos cometidos durante o período militar. Tudo muito normal até aí. Ocorre que há uma grande falta de compreensão sobre a intenção da palavra “ditabranda”. Ao se ler o editorial – Limites à Chávez, 17 de fevereiro -, fica bastante claro que o termo é comparativo. Não é muito difícil de perceber. É só tomar nota do número de cadáveres produzidos pela ditadura tupiniquim e comparar com as ditaduras que vigoraram no Chile e na Argentina, por exemplo. O porquê do "branda" não demora a aparecer. Se compararmos, porém, nossa ditadura com os regimes de esquerda, a distância se torna ainda mais superlativa e nossos militares, como disse Roberto Campos, tornam-se meros escoteiros mirins.

Ao que parece, teve intelectual da USP que não percebeu isso. A professora da faculdade de educação Maria Victória Benevides vociferou: Mas o que é isso? Que infâmia é essa de chamar os anos terríveis da repressão de ‘ditabranda’? Quando se trata de violação de direitos humanos, a medida é uma só: a dignidade de cada um e de todos, sem comparar ‘importâncias’ e estatística... Além de não ter percebido o óbvio, a acadêmica ainda tenta relativizar as violações de “direitos humanos”. Isso significa que os regimes de Castro, Mao e Stálin estão no mesmo nível de brutalidade da ditadura militar brasileira. Pura estratégia. Quando se tem um peso de cadáveres muito maior nos regimes autoritários de esquerda, a saída é relativizar. O cinismo fica evidente em números. Somente Stálin matou cerca de 20 milhões. O regime de Castro já matou cerca de uma centena de milhares. Além de Maria Victória, o professor Fábio Konder Comparato, também da USP, escreveu indignado à Folha clamando por respeito à pessoa humana. Eu adoraria ver o professor Konder fazer esse escarcéu em nome da dignidade das “pessoas humanas” em Cuba.

Eis a respsota da Folha às reações de Benevides e ComparatoA Folha respeita a opinião de leitores que discordam da qualificação aplicada em editorial ao regime militar brasileiro e publica algumas dessas manifestações. Quanto aos professores Comparato e Benevides, figuras públicas que até hoje não expressaram repúdio a ditaduras de esquerda, como aquela ainda vigente em Cuba, sua ‘indignação’ é obviamente cínica e mentirosa.

Por algum motivo, a professora Maria Victória parece ter ignorado a réplica do jornal. Talvez ela não entenda o que ocorre em Cuba como uma ditadura. Se não é uma ditadura, é o que? Parte dos nossos intelectuais de esquerda - como Maria Victória, Fábio Konder, Marilena Chauí, Tarso Genro e Emir Sáder, por exemplo - possui o terrível hábito de lembrar os horrores de nossa ditadura – que realmente ocorreram – e, ao mesmo tempo, se nega a condenar regimes como o cubano ou o que Chávez quer instalar na Venezuela. Aliás, ainda há quem diga que a Venezuela dá aula de democracia. Como se plebiscitos atrás de plebiscitos fossem indicadores de saúde democrática. Das duas, uma: ou esses intelectuais sofrem de uma conveniente amnésia ideológica ou é um caso de duplipensar (expressão criada por George Orwell para descrever a atitude de ser acreditar em duas proposições contraditórias ao mesmo tempo).

Vivemos uma ditadura que foi perversa? É claro que sim. Porém, a choradeira da esquerda intelectual só vai fazer algum sentido e ter credibilidade quando passar a condenar seus ditadores prediletos. A começar por Fidel Castro. Será que topam o desafio? Improvável. Ditaduras são só os regimes autoritários de direita. Ditaduras de esquerda, pelo visto, não são ditaduras.  

Um comentário:

Stephanie Rehfeld disse...

Quando não se estabelece relação entre as ditaduras militar e esquerdistas, o mesmo disparate acontece em comparar formas de tirania por contabilização de cadáveres.

Esse quase maniqueísmo presente na "esquerda" e na "direita" os torna pouco coerentes mesmo. E insatisfatórios na prática, já que muitas vezes visam o interesse próprio.

Abraçar um lado não deveria significar ser parcial.

Também, porque, como abraçar com apenas um dos braços?